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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 168)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 18 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Está bonito, João

Lydia Federici

"Estou na ala 'J', no andar de cima. Da janela só vejo o morro. Se fosse do outro lado, daria pra ver o mar. Como está o mar?"

***

João, João. Para satisfazê-lo seria suficiente lembrar o mar de um dia de sol. Como o do último domingo. Mas esse você pôde ver. E não foi isso que você perguntou. Sua pergunta foi feita no presente. "Como está o mar?"

Fui ver o mar, João. O mar do dia cinzento de ontem.

Com céu cor da areia santista, o mar não fica azul. Nem verde. Adquire a opacidade cinza do céu. Mas não pense que o mar estava feio, João. Não tinha brilho. Nem revérberos, é verdade. Mas possuía profundidade.

Profundidade tranquila?

Não, João. Havia vento. Um vento frio que arroxeava crianças que chapinhavam, felizes, no raso. Vento encrespa o mar. Arrepia-o. A sua profundidade cor de chumbo não era tranquila, João. Sinto dizê-lo, mas não era não. Mas esse movimento, em toda sua superfície, dava ideia de força. Sim. Ideia e força.

Força organizada?

Não, João. Havia correntes em todas as direções. E maré. Subindo constantemente nas suas negaças de ir e vir. E vento. Um vento que passava por cima. Aparentemente, sem nenhuma intenção. Inconstante em suas rajadas frias. Nesse movimento desordenado de correntes marinhas, maré e vento, havia beleza. Uma beleza um tanto assustadora. Não se podia prever se a onda arrebentaria em espuma. Ou se continuaria a avançar. Desmanchando-se, depois, numa simples e inofensiva marola. Essa movimentação de resultados imprevisíveis sugeria vida.

Vida bonita?

Bem, João. A vida é sempre bonita. Pode ser desgraçada. Miserável. Mas não deixa de ser vida. E vida é coisa bonita. É assim como o mar. Mais bonito num dia de sol. Mais bonito também num dia de céu cinzento. Gostaria de poder dizer-lhe que o mar, na hora em que você perguntou, estava brilhante, cheio de luz, azul, tranquilo, calmamente murmurante. Mas não posso mentir, João. Em dias cinzentos, o mar não fica azul. Quando há vento, o mar não é liso nem tranquilo.

Mas que importância tem isso? Azul ou cor de chumbo, o mar é mar. Embaladora ou rugindo de ameaças, sua voz é sempre querida. Acariciando corpos ou chicoteando-os, seu contato é sempre estimulante. A espuma das ondas, branca ou suja, fala-nos de vida. E vida é coisa boa. Bonita.

João, João. Está bonito o mar. Venha vê-lo. Não é sempre que o cinza cobre o céu. Nem sempre venta o vento. Amanhã, com sol, ele nos parecerá mais bonito. Mas ontem, ele também estava bonito, João.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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