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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 165)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Estudantes

Lydia Federici

Há dias havia notado o movimento inusitado de moças e rapazes. Passavam em grupos coloridos. Pareciam, à primeira vista, namorados inventando passeios em conjunto. Mas a opinião foi logo modificada. Não havia parzinhos de mãos dadas. Nem cochichos em duo. A conversa era generalizada. Discutida com esse vigor alegre e aceso da mocidade. Ouvida com atenção. E gestos amplos.

Anteontem, uma amiga apontou-me os grupos que saíam pela Castro Alves. "Estudantes. Está dando cada barulho! Olhe o Círculo Operário. Não parece que está em guerra? Com aqueles carros da Rádio Patrulha? Que é que há? Sei lá. Um congresso estudantil e você sabe como é estudante". E nada mais pôde explicar. A não ser que era uma vergonha ver a polícia diante do Círculo Operário do Embaré. Botando a vizinhança em polvorosa.

Na ponte do canal, minutos depois, cinco moças e três ou quatro rapazes, com pastas nas mãos, conversavam. Era começo de noite. Fria. Mas havia calor no grupo. Uma promessa boa de não sei que. Disso que, sem identificar, a gente teve na mocidade. E descobre na mocidade dos outros.

Apresentei-me. Receberam a intrusão com gentil desconfiança. Que fazem os mais velhos aos novos? Para que eles desconfiem? E fiquem de pé atrás?

Havia um santista, apenas, no grupo. Um louro risonho. Espigado. Outro, moreno e atarracado, de cara brava, era de Santo Amaro. As garotas eram de São Paulo. Perguntas aforam e vieram. Lembrei-me, durante todo o tempo da conversa, de uma das últimas crônicas de Rachel. Explicando o que era a mocidade. A ânsia da gente moça. O querer voar sentindo as asas cortadas. O querer corrigir errando. O não saber mais o que é certo, o que convém, pra onde ir.

Depois que deixei o grupo, certas ou erradas as coisas ouvidas, um só fato permaneceu. Uma atitude. Endireitei os ombros. Ergui bem a cabeça. Respirei um ar mais gostoso. Senti, na mão, o aperto forte e quente daqueles rapazes e moças que acreditam em alguma coisa. Que, para eles, constitui o que acham ser o certo. O melhor.

Em troca desse bem que me fizeram, permitam-me dar-lhes, também, algo em que pensar. Em que meditar.

Não creiam que alguém auxilie alguém sem esperar algo em troca. Principalmente se for auxílio de grupo ou de entidade.

A outra coisa foi-me dita, no domingo, pelo professor Wilson Freire. Falávamos de política. Foi coisa que sempre senti. A comparação simples identificou, exemplificou a ideia: "Nosso mal é a macaquice. Só sabemos imitar. E estamos a brigar porque dois costureiros acenam-nos com seus figurinos. Ora. Brasileiro tem um corpo diferente, uma alma diferente, jeito diferente. Coisa própria. Pessoal. Não há figurino estrangeiro que nos sirva. Temos que tirar os detalhes que nos convêm e fazer um molde que se adapte a nós. Precisamos de um figurinista brasileiro. E não de modelos importados".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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