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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 164)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
13 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Rasgado e sujo
Lydia Federici
Carioca gosta de Santos. E santista morre pelo Rio.
Longe de sua casa ou apartamento, o carioca, pisando Santos, não se sente em terra estranha. E, muito menos, entre estranhos. Cá, como lá, há mar. Um mar que, em todos os portos do mundo, dá, aos moradores da cidade, um sorriso calmo e aberto, uma
facilidade extraordinária em abordar e ser abordado, um modo, só às vezes, febricitante de viver. Quase sempre calmo, gozador, flanador.
É claro que nosso visitante, muito gentil, não apregoa que este sossego, no primeiro dia, lhe dá ideia de cidade pequena. Abafa-o. E se fala sobre a falta de gente, de carros e de ônibus, em doido atropelo carioca, é para dizer, puxando os erres e
assobiando gostosamente os esses, que isto é que é vida. Quem lhe dera ver voltar ao "Riu" esta forma de viver. Para substituir aquela forma de morrer.
O caso é que, respeitadas as proporções, Santos e Rio, carioca e santista, têm muito em comum. Mas há, aqui, uma coisa que deixa nosso visitante do Estado da Guanabara realmente aparvalhado. E, se fiz o carioca aparvalhar-se, foi apenas para não
usar o verbo verdadeiro. Que é o verbo enojar. Sim, senhor. Há, infelizmente, algo, nesta cada vez mais bela cidade, que enoja o carioca.
Abra a sua carteira, meu amigo. Entreabra o seu porta-notas, minha amiga. Que há ali? Notas de mil? De quinhentos? De duzentos? Quase no meio do mês, você ainda tem umas graúdas? Como conseguiu o milagre? Quantos bons ministros para a pasta da
Fazenda, o Brochado desprezou, Deus meu!
Mas, e o resto? Não há manolas? Notas de cinco, dez e vinte?
Sim. É esse lixo que causa repugnância ao carioca. Esses retângulos de papel impresso. Cujo colorido desapareceu sob uma gosma de sujeira. Que chega a cheirar mal. E que, se não forem manuseados com dedos jeitosos e leves de bailarina, abrem-se em
oito pedaços.
Para nós, que as damos, trocamos, recebemos, guardamos por algumas horas, durante o ano todo, a vista e o toque dessas pobres notas, rasgadas e sujas, constituem fato banal. Comum. Corriqueiro. Só raramente percebido. Mas para olhos que só veem
dinheiro recém impresso, para ouvidos acostumados ao estalo das notas ainda não dobradas, para nariz que, nesse pedacinho de papel, só sente o cheiro fresco da tinta, as miseráveis notas miúdas, que andam por aqui, são espetáculo de arrepiar.
Há poucos dias, um caixa, semi-escondido pela registradora, colava, pacientemente, notas esfarrapadas. Reconstituía-as e colava-as com tiras cruzadas e recruzadas de durex. Depois de certo tempo, bufou. Levou as mãos à cabeça.
"Gastei cento e cinquenta pelo durex. Se eu jogasse fora estas imundícies, perderia menos dinheiro".
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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