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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 163)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 12 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Balanças

Lydia Federici

A mãe chegou de surpresa. Não que o tivesse feito de propósito. Apresentara-se a oportunidade de descer para Santos com uns amigos. Não pudera avisar. Que a filha, casada havia pouco, ainda não conseguira telefone.

Sentia, antecipadamente, o prazer da visita. E, ao mesmo tempo, bem lá no fundo do coração, um certo receio. Como encontraria a sua menina? E a casa de sua garota?

Fora, nesse particular, mãe bem conscienciosa. O que sabia, dos truques de dona de casa, ensinara à filha. Mas que aluna seria ela? Dessas que aprendem a aplicam os conhecimentos? Ou que, por comodismo, vão fazendo, vão dizendo que sim, e, depois, levam as coisas como melhor lhes parece?

Tocou a campainha do apartamento. De baixo, sabia que havia alguém. As janelas todas abertas recebiam o sol da tarde. Tocou e esperou. Ouviu passos.

"Quem é?", perguntou a voz arrastadinha da filha.

"Sou eu". Respondeu meio emocionada. Com receio de que sua garota não reconhecesse a voz alterada, juntou: "Mamãe".

Uma chave nervosa virou e revirou na fechadura. A porta escancarou-se. Dois braços apertaram-lhe o pescoço. Era a forma da garota grande abraçar a mãe pequena. Sentiu alegria, só alegria naquele abraço.

Entraram. A sala era clara. Quente. Nenhuma revista espalhada. Sobre o piano, cortando-lhe a severidade envernizada, um vaso derrubando, para os lados, plantas muito verdes e viçosas. A terra estava úmida. No outro canto, sobre a estereofônica, uma dúzia de cravos. Cravo chita. Perfumados. Frescos na água limpa.

Mãe e filha conversavam. Todos os detalhes, de relance, eram vistos pelos olhos aprobativos da visita. Viu o quarto arrumado e perfumado. O banheiro rebrilhante. Só a cozinha estava com a pia meio embaraçada.

"Acabei de tomar lanche. Mas vou preparar outro para nós duas". Com essa explicação, a filha empurrou a mãe para a sala. Não queria que ela falasse do fogão respingado de café. Havia de acontecer o desastre justamente naquele dia, diachos?

Enquanto a mãe, na sala, disfarçadamente, olhava o lustre, a garota, na cozinha, chamou a meninota que a ajudava. Sua voz melosa, ao dar ordens, adquirira um tom engraçado de autoridade.

"Você, antes de ir embora, quer dar um pulinho no armazém da esquina? Compre dez pãezinhos de cará e 200 gramas de presunto. É só. O resto eu tenho. Mas escute. Quando o seu José pesar o presunto, fique de olho na balança. Veja que sejam mesmo duzentas gramas, ouviu bem?"

Todo o medo que a mãe ainda abrigava no coração desapareceu. Sua garota aprendera suas lições. Era uma nova e perfeita dona de casa.

E, aqui entre nós. Se todas as mães ensinassem suas filhas, se todas as filhas aprendessem as lições, como se danariam os vendeiros de Santos. Anda cada balança e anda cada mão leve por aí.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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