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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 162)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 11 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

De quentão em quentão

Lydia Federici

Eram cinco moças. E amigas. Amigas de verdade. Dessas que sabem rir juntas. Sofrer juntas. E, principalmente, lutar juntas.

Não são moças, mocinhas. São moças feitas. Jovens senhoras. Responsáveis.

Mas isso tudo só vai anotado para que se possa imaginar, com exatidão, o equilíbrio pensado, vivido e sentido pelas nossas cinco moças.

Uma delas é diretora de uma dessas instituições assistenciais que, na cidade junina, armam as suas barracas de amor e suor. Quando chegou sua vez de entrar em ação, a diretora convocou sua equipe de amigas. Nenhuma delas, frise-se bem, pertencia àquela sociedade. Mas que importância tinha esse pormenor? Nesta ou naquela barraca, tudo era caridade. O importante era trabalhar. Ajudar. Dar as mãos à amiga que delas precisava.

Aconteceu que, na primeira noite de sessão, um frio miserável, quase inesperadamente, entrou lá pela boca do Itaipu. É claro que todas tinham ido bem agasalhadas. Mas que agasalho defende o nariz? Pode-se lá cozinhar de luvas? Era cedo ainda. Só cozinheiras e copeiras entanguidas remexiam-se, duras, nas barracas. A descascar batatas. A arrumar as prendas. A lavar, brrr... os copos e xícaras e pratos.

Dessas cinco moças, equipe bem organizada, três cozinhavam. Que toda mãe de família, mesmo a que tem cozinheira, aprendeu a lidar com o forno. As duas solteiras faziam, digamos, serviços correlatos: uma deveria servir e a outra despachar a louça na pia.

Tudo encaminhado, arrumado, providenciado, continuava a ser cedo. Nenhum freguês papa-jantar passava sequer pela frente das barracas. Pudera! Com aquele vento gelado, quem se atreveria, por gosto, a ir até a praia? Mas as panelas chiavam. E as três cozinheiras, conscienciosamente, cumpriam seu dever. As duas auxiliares, com o serviço adiantado, ofereceram-se para ajudar na mexida dos caldeirões. Não. Que descansassem para a viração de logo mais. Porque alguém haveria de aparecer. Muitos jantares tinham sido vendidos.

"Pra ficar gelando aqui, à toa, vamos gelar lá fora. Vamos ver o movimento das outras barracas". E saíram. Pra curiosar por cinco minutos. Tanto, o janta ainda ia demorar, não ia?

Lá fora, o frio multiplicou-se por dez. Encolheram-se. Batiam os pés, com força, na areia fofa e gelada. O queixo comeou a castanholar-lhes. Abrigaram na primeira barraca. O cheiro morno do quentão fez-lhes bem. E se só o cheiro confortava, que diria o tragá-lo? Tomaram a sua dose. Bom. Muito gosto de gengibre, não? Ao passarem pela terceira barraca, a canela afagou-lhes o nariz gotejante. Esse estava melhor. Mais gostoso. Continuaram andando. De barraca a barraca, o quentão chegava-lhes com um perfume diferente. De quentão em quentão, chegaram ao fim da rua. Voltaram. Com frio. Mas não tanto. Sentiram fome. Um creme de palmito tentou-as logo na terceira barraca da volta. Não resistiram.

Uma hora depois, esbaforida, uma das amigas cozinheiras conseguiu encontrá-las.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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