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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 161)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
10 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Esse não
Lydia Federici
Em Campos do Jordão, uma casinha térrea ou assobradada de madeira escura, com janelas brancas, rodeada de flores, não é
um simples chalé. Nem coisa modesta. Muito menos, pra qualquer um.
Mas em Santos, chalé é chalé. Casa de pobre. Cujo dinheiro só deu mesmo pra comprar madeira. Não é pra capricho de temporada. É pra morar, olhe lá, o ano inteiro. Nem é por amor à poesia. Chalé é necessidade doída. E feliz do pobre que, num palmo
de chão, conseguiu levantar a sua dúzia de tábuas.
Há milhares de chalés em Santos. Derrubam-nos aos montes. Dia a dia, a zona da praia vai perdendo as suas pobres casinholas de madeira. Substituídas, logo a seguir, por casas de tijolos. Por prédios de apartamentos. É o progresso. O miolo de Santos
já não comporta chalés pobrezinhos e feios. E eles saem do Macuco, do Marapé, da Ponta da Praia. Empilham-nos nos depósitos de material usado. E, pouco depois, uma tábua que viveu aguentando o vento da praia vai cheirar o ar dos morros. Ou vai
viver nos mangues aterrados além-morros.
E a gente, quando vê alguns baianos de 'short', de costas queimadas, desmontando, entre risadas, as vigas, os caibros e as tábuas escuras de um chalé de bairro que progride, sorri com certo orgulho. É feiura que desaparece. É pobreza que vai para
outro lado. É beleza nova que vem. Clara. Sólida. Limpa. Rica.
Quem sente pena de um chalé arrasado? Só os próprios moradores, talvez. Se forem sentimentais. Mas a saudade não doerá muito. Ou talvez doa muito mais. Quando eles se virem engaiolados num apartamento sem quintal.
Não. Quem chora, na cidade que se enfeita, o desaparecimento de um chalé pobre, modesto, raramente bem conservado na sua simplicidade miserável? Desapareçam, chalés! Isso não é coisa de cidade rica. Progressista. Civilizada.
No entanto, no entanto, no outro dia, na Epitácio Pessoa, diante de um chalé, apareceu uma dessas placas que se veem, aos centos, por todo o lado.
E os velhos moradores do Boqueirão, quando viram a tabuleta, arregalaram os olhos. Com um aperto no coração, trancaram os lábios com força. Para não deixar sair o grito que vinha lá de dentro. Um grito que era revolta. Que era saudade antecipada.
"Não. Esse não!"
Atrás da placa grande de metal, havia um chalé. Não um chalé pobre, modesto, igual a milhares de outros. Todos iguais e pobres e feios.
Lembram-se dos bangalôs de madeira da praia do Guarujá? Antigas asas de temporada da gente rica de São Paulo? Grandes, respeitáveis, confortáveis? Chalés senhoriais? Com aquele ar de nobreza que as casas modernas raramente conseguem ter?
Pois esse era assim. Era chalé de princípio de século. Todo em pinho de riga. Alto. Rendado. Azul. Rodeado de hibiscos vermelhos.
Vem abaixo, sim senhor. Adeus, velho "Vila Izabel".
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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