GENTE E COISAS DA CIDADE Vá, mãezinha
Lydia Federici
Está difícil a vida, eu sei. Todas as horas do dia não chegam para o que temos a fazer. Há uma estranha incongruência
no progresso do mundo. Quanto mais coisas inventam para facilitar a nossa vida, mais trabalhamos. Menos horas de lazer encontramos pela frente.
Luta a dona de casa rica. Sobre a dona de casa pobre. Uma tem posses para pagar quem a sirva. Outra não tem tempo sequer para servir à própria família. É tintureiro a chamar. Por quem esperar. É roupa a lavar, a passar, a guardar. É cozinheira que
falta. É almoço à hora certa para o marido. São crianças a chegar da praia ou do meio da rua. É a escolha do modelo para o vestido de baile. A luta com a costureira. Ou é o remédio nas calças de trabalho dos dois moleques mais velhos. É a ida ao
médico. A fila nos ambulatórios do instituto. São as compras. As chiques ou as absolutamente indispensáveis.
Rica, milionária, remediada ou mendiga, não há dona de casa que não tenha o seu programa diário tomado do primeiro ao último minuto. Variará, quando muito, a espécie de compromisso.
No entanto, no entanto, neste fim de semana, nestes quatro dias que vão de hoje até domingo, uma hora livre tem que ser encontrada por todas as mães da Baixada Santista. Principalmente pelas que têm
filhos cuja idade se compreende dos 3 meses aos 4 anos.
Vá, mãezinha. Vá a um dos postos de vacinação Sabin.
Mais vale comer feijão queimado, num dia, que engolir remorso e amargura pelo resto da vida.
Mais vale deixar os cabelos vermelhos por mais uma semana que vê-los branquearem de agonia.
Mais vale sacrificar uma matinê, tomando conta dos filhos da vizinha, que ver o caçulinha louro, desgraçadamente, mais tarde, arrastar a perna pela vida afora.
Mais vale deixar, por um dia, os outros filhos sem banho, que levar anos banhando uma pobre perninha fraca.
Mais vale largar, por uma hora, a quentura do lar, que sentir, depois, a qualquer febrezinha do Carlos, da Valéria ou do Sérgio, o calor infernal do remorso.
Sim, mãezinha. Sim, minha amiga. Sim, amigo meu.
Perdoem-me a insistência. Mas vale ser insistente, meter o bedelho, bancar a chata, como estou sendo, que, depois, arrepender-se por não ter feito o possível para que todas as nossas crianças recebam a "gota que salva".
Vá, mãezinha. Vá ao posto mais próximo de vacinação Sabin.
vá, mãezinha. Vá! Vá! VÁ!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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