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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 156)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
4 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Nariz vermelho
Lydia Federici
Procure, meu amigo, um programa de cinema de seu agrado. Busque-o no noticiário branco e preto da folha do jornal.
Confirme a informação, deleitando-se com os cartazes iluminados da fachada do cinema. Antes de comprar seu ingresso, torne a verificar, no programa colado no vidro da bilheteria, se o filme americano que você deseja ver é realmente aquele. Com o
complemento nacional. De quebra. E nada mais.
Depois disso tudo, pode entrar na sala de projeção. Escolha a sua poltrona. Estofada ou de madeira. Não sei que cinema você escolheu. Está em acomodado? A loura, ao lado, é sorridente? Ótimo.
Uma coisa, agora, posso garantir-lhe. Não importa em que cinema você se refestelou. Que programa tenha sido anunciado, noticiado, ultraconfirmado. A sessão é mista. O programa é duplo. Consta do filme anunciado e de um concerto. Do seu filme
americano. E de um concerto nacional. Sim senhor. Ouça, por um instante. Percebe a sinfonia local que se infiltra e acaba por sobrepujar a música e os "I love you" do filme? É o concerto que, no cinema, você recebe de graça. Extra programa. O
grande concerto da tosse. Tosse que se levanta na frente e atrás. A leste e a oeste. Tosse feminina e masculina. Tosse reprimida, sem sucesso, na garganta. Delicadamente abafada com um lenço bordado. Ou com um quase lençol. Tosse tossida às brutas.
Poderosa. Tonitruante. Desrespeitosa e agressiva.
É assim que Santos está. A cidade toda está gripada. De nariz vermelho e olhos lacrimejantes. Até no escuro do cinema o pesadelo permanece. Porque Santos inteira tosse. É a gripe vinda com o frio. É o resfriado trazido nas chuvaradas intempestivas.
É a tosse, a tosse geral que sacode toda a cidade.
Tosse o cais a sua tosse metálica e poderosa. Tosse saída de um peito forte e musculoso de trabalhador. Tosse a praia nua e dourada. Tosse cheia de grãos de areia. Quase bonita, não fosse tosse.
Tosse-se no ônibus e nos pontos de bonde. Na igreja, padre e fieis puxam uma ladainha não aprovada: a ladainha da tosse. Até o órgão solene espirra com a sacudida do "atchim" do tocador.
Tossem os morros e a planície. Tosse de sete crianças mais a do pai, da mãe e da avó sacodem as paredes do barraco da favela. É tosse fraca. Que sai de peitos magros e fracos. E, com a tosse dos casebres miseráveis, tossem as casas de tijolos e os
apartamentos ricos. Que gripe não escolhe cara magra ou gorda. Cara suja de sujeira ou de rímel. Gripe ataca qualquer um. Bem ou mal alimentado. Vitaminado ou descalcificado. Medicado pela ciência do médico ou pelo chá da Mãe Benedita.
É assim, neste princípio de julho, que se apresenta Santos. De nariz vermelho, olhos lacrimejantes, dor no lombo, e tosse bem e mal tossida.
E apesar disso tudo, Deus, como está linda esta cidade gripada. Nem se nota seu nariz vermelho.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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