GENTE E COISAS DA CIDADE Bom banho!
Lydia Federici
Chegaram de taxi à estação da avenida Ipiranga. Um ônibus pegava os seus primeiros passageiros para Santos. Enquanto
ela, a mãe redondinha, vasculhava a bolsa grande, à procura da bolsa pequena onde guardava o dinheiro, o menino agarrou duas maletas e chegou, aos trancos, até o chofer de quepe verde. Era o da Ponta da Praia? Das três e meia?
"É este, mãe. Depressa. Ele já vai sair". Esganiçou-se, nervoso, e foi furando fila, as malas pequenas mas pesadas batendo-lhe nos joelhos e nas pernas dos outros passageiros. Um cotovelo distraído empurra o boné tapa-orelha sobre os olhos do
garoto. Ele não liga. Está muito atrapalhado com o peso que carrega. Com o chofer que lhe pede a passagem. Com duas pernas tortas que, no primeiro degrau, imóveis, impedem a subida. Por sob a pala do boné, o menino, grudado nas malas, ergue a
cabeça, procurando a mãe: "Depressa, mãezinha. Ele vai sair".
Aboletam-se, por fim, num banco. As maletas entre as pernas. Dois suspiros de alívio e dois sorrisos vitoriosos saúdam a proeza. Como tinham corrido. O menino endireita o boné. Uma mãe gorducha, de dedos curtos e unhas maltratadas, alisa-lhe, com
ternura, os cabelos espetados. O garoto encosta a cabeça, por dois segundos, no ombro redondo da mãe. Sorriem-se, felizes. Nervosos, ainda. meio esbaforidos.
"Por que o 'óminibus' não sai? Assim não vai dar tempo de tomar banho".
"Não é 'óminibus' que se diz. É ônibus". A mãe corrige com paciência. Segura, com firmeza, o braço do menino que, agitado, balanceia o corpo. "não se 'abofe' assim, Zé Carlos. Ele sai na hora certa. Escute, meu filho. Você tomou o lanche na escola?
Aposto que esqueceu". Vasculha a bolsa grande e tira uma maçã. Enorme. Lustrosa. O menino põe a mão sobre a boca. "Como é que vou comer: Se eu comer não posso tomar banho. Mas este omin... este 'óninibus' não vai s'imbora?"
O ônibus sai. Mãe e filho dividem a mação. Ela dando dentadas pequenas. O menino olha a estrada. Em tudo vê mar. Ou coisa parecida com mar. Remexe-se no banco. Bate as mãos para apressar a viagem. Por que o chofer não corre mais? Quanto tempo ainda
falta? Vão chegar de dia? Está fazendo calor, não está? Será que a 'nonn' fez o 'short' novo que prometeu em dezembro? "Mas ó, mãe". Puxa para baixo o cinto das calças. "Eu banquei o sabido. Estou com o velho aqui por baixo".
E ri. E riem os dois, ela com os dedos gordos, puxando-lhe, carinhosamente, a orelha vermelha. Foi aí que a senhora percebeu que o menino estava quente. Muito quente. Quis apalpar-lhe a testa. O
garoto percebe a intenção da mãe subitamente nervosa. Era só o que faltava. Perder o seu banho de mar por causa de uma febre muito micha! Isso é que nunca. E até aqui embaixo, ele, apavorado, a rir, foi tirando o corpo, desviando a cabeça.
É assim, nessa paixão pelo mar, com essa fome de mar, que descem os nossos visitantes. Bom banho, amigos!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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