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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 154)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
1 de julho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE O mundo em Santos
Lydia Federici
O salão é cinzento. O chão, em pedaços de mármore, é um tapete frio de tons neutros. A iluminação é a mercúrio. Um
escândalo de luz no ex-Hotel Martini.
Entra-se. E as fotos tomam conta de nós. Penduradas no ar, intrigam-nos. Como, diabo, conseguiram o milagre? Onde os tradicionais painéis de exposição? Ideia nova. De execução simples mas de efeito surpreendente. Uma moldura de reposteiro. Cruzada
de fios plásticos. Invisíveis. Os fios sustentam quadros de espuma branca. E, sobressaindo da brancura, as fotos. Não há jeito da gente se distrair com outras coisas. No salão vazio, só há os trabalhos fotográficos. Nada mais.
Nada mais? Mentira. Há ali um mundo de beleza. Mensagens vindas de todo o mundo. Oferecendo-nos encantamento. As fotos permanecem imóveis no ar. Chama-nos. Depois levam-nos a passear. A imaginar coisas.
De mais de dois mil trabalhos recebidos de trinta países do mundo, 243 foram selecionados. Durante 10 dias, cinco juízes viram, discutiram. Penaram para julgar o valor e o interesse das obras de 912 fotógrafos artistas. E, em Santos, no 7º Salão
Internacional de Arte Fotográfica, vê-se o mundo. Pela arte do homem. A captar, pelas lentes de uma máquina, pequenos e grandes poemas.
Que há no salão?
Luz e sombra. Planos. Estudos de linha. Forma e cor. Composição. Isso para os técnicos. Para os entendidos. Para nós, há apenas beleza. Que compreendemos ou não. Que nos agrada. Ou que, brutalmente, nos agride.
Há um mar escuro, de espuma chata e oleosa, sob um céu negro. E só mar. Profundo. Sem fim. Capaz de tragar-nos e aniquilar-nos, não fosse uma vela branca, suspensa. E, no fim, apesar da vela, a água acaba por engolir-nos. Sem dor. Sem sofrimento.
Com doçura. Numa infinita mansidão.
Há o retrato colorido de uma moça. De cabelos brancos, meio rosto verde, vestido púrpura. Dá-nos, de longe, uma bofetada ao senso comum. Chama-nos de idiotas. Ri por sermos um simples João da Silva. Uma cândida Maria da Silva. Acabamos lá perto,
entretanto. Oferecemos a outra face para a segunda bofetada. E ela não vem. Ao contrário. A moça incompreensível fica a afagar-nos o rosto. Com o seu meio rosto verde. Não compreendemos. Mas apaixona-nos aquele trabalho. Ofende-nos. Atrai-nos.
Enleva-nos.
Há um campo russo. Com um arado traçando linhas.
Há folhas de outono. Cor de outono. Meia dúzia de toros. De cerne colorido.
Há dois negros muito escuros e fardos de algodão branco. Fotografia trabalhada em laboratório. Com um truque que dá peso ao branco leve do algodão. Que vigoriza o preto dos músculos retesados. Fazemos força, gememos ao vê-la.
Há rosas de Portugal. Contra um muro claro. Rosas em cachos cor de rosa. Perfumadas até.
Está boa a exposição. Nela morremos, nos apaixonamos, suamos, abrigamo-nos sob árvores quase irreais. Está muito bom o 7º Salão.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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