GENTE E COISAS DA CIDADE São Pedro
Lydia Federici
São Pedro é chaveiro do céu. é mandador de chuva. E, principalmente, o grande padroeiro dos pescadores.
Não sei como é, por dentro, o velho santo de barbas brancas. Deve ser bom. E simples. Porque foi um bom e simples pescador. Quem pesca, vive no mar. Mar é natureza. Quem se encosta à natureza é uma criatura tão boa e generosa quanto ela. Com
explosões de fúria, às vezes, sim. Mas coisa de momento. Provocando feridas, desastres e cicatrizes. Que a própria mão destruidora se empenha, logo, em fazer desaparecer. São Pedro deve ser assim. Um santo bom. Compreensivo. Amigo dos amigos. Se
tiver um pingo de vaidade, há de ficar feliz com as festanças de hoje. Que os amigos pescadores lhe tributarão.
Ignoro se a festa dos pescadores é universal. Se for, o velho pescador, hoje, há de ficar meio zonzo para atender a tantas honrarias. Quase impossibilitado, portanto, de demorar os olhos sobre este pedaço de mar. Nossa! Que bobagem é essa? Santo
não participa, no céu, do dom de ubiquidade divina? É claro, então, que o padroeiro dos pescadores há de arranjar um jeito de olhar para as festas que seus amigos lhe prestarão.
Acho que ele vai gostar de tudo. Do hasteamento das bandeiras. Da banda do 6º B. C. tocando o Hino Nacional Brasileiro. Da missa campal celebrada no pátio do Entreposto de Pesca. Tenho dúvidas sobre
um ponto: nariz de santo é sensível? Será que vão conseguir tirar aquele horrível mau cheiro do Entreposto? Se não, desculpe, São Pedro. Peixe é assim mesmo. Empesteia tudo.
Das cerimônias, a que mais comoverá o santo será, na certa, o desfile de barcos iluminados. Sua imagem, puxando a procissão marítima até as águas do Boqueirão, há de balançar-se calmamente. Ondulando sobre o mar suave, ele matará as saudades do
tempo em que, desconhecido, pescava com humildade. Isso o enternecerá. Sua alegria se voltará para os amigos pescadores.
São Pedro. São Pedro. Seus amigos festejam-no para agradecer a proteção que sua bondade lhes proporcionou. Acompanhando seus barcos. Permitindo pesca generosa. Conduzindo-os de volta à terra. À sua gente. E vão invocar mais um ano de proteção.
Atenda-os, São Pedro. Olhe com amor para o anzol simbólico que será abençoado e jogado às águas salgadas. Acompanhe sempre os barcos de nossos bronzeados pescadores. Traga-os de volta. Bobagem relembrar-lhe isso, eu sei. Quem foi pescador sabe o
que é partir. Sabe o que é pescar. Sabe, principalmente, o que é voltar.
Perdoe-me, entretanto, se me atrevo a lembrar-lhe a importância da tarefa de seus amigos pescadores. Guie, às suas redes, cardumes de peixes. Precisamos desses frutos do mar, São Pedro querido. Os da
terra estão falhando. Não sei como nem por que, mas estão. Encha as redes dos barcos pesqueiros. E, uma vez que sua compreensão realizará o milagre, salte à terra, santo do céu. E complete o milagre. Não deixe faltar gelo no Entreposto. Ajude a
carregar os caminhões e a distribuí-los por todo lado. E veja se consegue dar um jeito nos preços, santo dos milagres. Faça um trabalho completo. Ponha a sua mão sobre a consciência dos homens.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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