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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 150)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 26 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Vedete dos festejos

Lydia Federici

Gostando, detestando, gastando ou apenas curiosando, o fato é que todos acabam por lá ir. As razões são muitas. E uma ou outra sempre age sobre a complexidade de paixões que é o homem. Daí o povaréu que se junta na areia do Gonzaga, virando, por horas, habitante da cidade junina.

Há de tudo. Para todos. Querendo, gasta-se dinheiro. Não querendo, só a movimentação dá para distrair. Empregadinhas de apartamentos gostam do "show" e da mão quente do namorado. Criança pela-se pela roda gigante. Pelo "tomovinho". Meninas de risco nos olhos arriscam olhares. Procuram um namorado. Rapazes, de pulôveres grossos e luvas de pelica, caçam novidades com ar enfastiado. Bolsas modestas abrem-se para comprar pipoca. Porta-notas recheados exibem sua fartura. Uma fartura que, felizmente, vai ajudar a Santa Casa. As cegas. Os aleijadinhos da Casa da Esperança.

Há, nas barracas, um mundo de calor. De solidariedade humana. Gente que, em casa, nada faz, lá, não se incomoda de cansar o corpo. Trabalha com alegria. Gente que, em casa, dá um duro miserável, ainda tem coragem de passar a noite fritando pastéis. Há senhoras, senhores e senhorinhas que transpiram ao lado do fogão. Que enrouquecem no bingo. Que cansam as pernas a servir os amigos sentados às mesas. Pra que? Para ajudar obras assistenciais em que se empenharam valentemente. Há vaidade também? Desejo de projetar-se? Por que não? E que importância tem? A utilidade da obra não justifica essas nossas pequeninas e humaníssimas misérias?

O fato é que a cidade junina, na areia do Gonzaga iluminado e rodopiante, atrai, noite após noite, toda Santos.

Mas deixemos isso pra lá. Que é coisa por todos ultra conhecida.

Há dias, toda sorridente, ouvi uma senhora dizer: "Com mil cruzeiros, tirei quinze latas de azeite espanhol". A satisfação que havia em sua voz não seria maior se ela tivesse bingado
[N. E.: gíria. Ganhado num jogo de bingo] um aparelho de TV.

Dois dias depois, outra amiga mostrou-e 4 latas de azeite ganhas numa das barracas do Gonzaga. Numa noite, logo a seguir, dois braços gordos apertavam, com carinho, contra um casaquinho recheado à italiana, três latas de azeite. Um menino, ao lado, sacudia uma garrafa de uísque. E ela nada dizia. Importava-lhe o azeite. Aquilo sim, é que era prenda.

Em anos anteriores, as atrações da cidade junina eram faqueiros, aparelhos de jantar, vasos de prata, máquina de lavar, receptor de TV, colar de pérolas. Um batalhão ativo passava os talões de rifa. Neste ano, a vedete das prendas da cidade da caridade é o azeite. Anuncia-se uma lata e em cinco minutos o assunto está bingado. Cai gente assim em cima do "puro oliva". Bom dinheiro, pouco trabalho, um mundo de satisfação.

Haja azeite na praça. Enquanto houver, a cidade junina irá bem.

Como estamos ficando práticos!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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