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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 148)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 23 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Que rua!

Lydia Federici

É rua de zona praiana, apesar de estender-se até a Afonso Pena. É meio Embaré, meio Macuco. Não tem a sorte de poder espiar o mar. Começa na Epitácio Pessoa. A uma quadra, portanto, da praia. Talvez por essa razão tenha nascido sem pretensão de muita grandeza. É rua antiga. Só asfaltada há poucos anos. Sempre foi rua modesta. Ladeada por chalés modestos. De gente modesta. Uma ou outra casa de tijolos, ali, aparecia destoantemente pretensiosa..

Mas, estendendo-se do Embaré até o centro de um Macuco trabalhador e progressista, seu destino sofreu modificação. Os chalés foram desaparecendo. Com casas modernas e prédios de apartamentos de três andares, a rua está ficando uma senhora rua. Muito catita e faceira. Perdeu o cheiro imaginário de suor. Adquiriu, imaginariamente também, uma frescura de boa água de colônia. É, hoje, rua bem cotada. Traja-se granfinamente.

Essa modificação, porém, não é novidade. Todas as ruas da orla praieira progridem assustadoramente. Acontece, no entanto, que essa rua tem uns moradores extraordinários. Gente boa. Inteligente. Que chegou a compreender o valor de uma rua arborizada. Vai daí, o cuidado que a rua dispensa às árvores do dr. Clemente e dos jardineiros da Prefeitura. Como são mudas recém-plantadas, há sempre um balde ou regador aguando-as. Uma corda nova prendendo-as, com carinhosa firmeza, às estacas. Um cercado de ripas ou tábuas de caixote protegendo-lhes os galhos tenros da sanha da molecada que desce do Macuco.

Mas isso também não seria característica exclusiva dessa rua. Felizmente, em Santos, muitas ruas zelam pelas suas árvores. Pouco a pouco, civilizamo-nos, sim senhor. Vamos aprendendo a defender as nossas coisas públicas.

Mas, meu amigo, o que, ontem, aconteceu nessa rua, foi espetáculo diferente. Incomum. Nunca vi demonstração igual. De fúria coletiva.

Na véspera, moradores das primeiras quadras, por onde passaria a procissão de "Corpus Christi", saída do Embaré, depenaram seus jardins. Atapetaram a rua com folhas de árvores, de palmeiras, de coqueiros, de plantas, de arbustos. O chão ficou verde. Desapareceu, por completo, o asfalto cinzento e frio. Esse tapete verde, na hora da procissão, foi colorido com pétalas de flores. Não muitas. Que, em matéria de flores, os jardins de Santos, ai, ai, são muito pobres.

Cumprida sua devoção religiosa, o povo da rua sentiu-se feliz. Foi dormir em alegre paz. Mas o despertar de ontem foi um choque. A rua, com as folhas pisadas, de um verde torturado e triste, deixara de ser uma homenagem a Deus. Era uma afronta à ordem e à limpeza. Uma vergonha para o brio dos moradores. Esperar pelos varredores da Prefeitura? Nem pensaram nisso. Apareceu uma vassoura. Comandando, logo a seguir, todo um batalhão de vassouras de palha amarela e de piaçaba escura. Braços finos e grossos, de moças, homens e crianças vassouraram a valer. Que espetáculo, minha gente, que espetáculo.

Que grande, enorme rua, é a Benjamim Constant!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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