Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d147.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:18:07
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 147)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 21 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Queixas

Lydia Federici

Alegria é a melhor coisa deste mundo. E tivemos isso, em fartas doses, por conta de uns belos e bons chutadores de bola. Mas acontece que essa dona só alimenta coração. Não serve, infelizmente, pra forrar estômago de ninguém. Ao contrário. Não há estômago mais pedinchão que aquele que fica logo abaixo de um coração feliz. Aguentando-lhe, vazio, as pancadas fortes.

Vai daí, neste começo de semana, o mundaréu de carrinhos, sacas e sacolas que invadiu, em atropelo gingado, as feiras locais.

Não sei por que razão toda mulher pensou que a vitória no futebol fosse baixar o preço da batata. Ou melhorar a qualidade do arroz. A verdade é que, na feira, a alegria futebolística não encontrou correspondência por parte das verduras nem dos preços. um sentimento de desânimo empurrou a euforia da vitória para um canto do coração. E a luta cotidiana, cheia de problemas, tomou conta, novamente, de toda dona de casa.

"Somos bicampeões e só temos estas laranjinhas murchas e caras?"

Pois é, minha. Nossa lógica é inexplicável. As condições, também. O caso é que temos laranjas. Grandes e pequenas. Para a bolsa do pobre e o gosto do rico. Caras, miseravelmente caras. Mas fartas. E temos vendedores que nos permitem revirar toda a banca. À procura das menos murchas. Mas, não muito longe daqui, um pouco mais para cima do nosso litoral bonito, dona de casa carioca não tem esse direito. Leva o que lhe dão. E se quiser.

Aqui, você sabendo conversar seu padeiro, arranja farinha. Là, nem mostrando nota de mil enrolada em cano azulado de revólver. Não há e acabou-se.

Açúcar, aqui, você encontra aos pacotes. Lá, até as latas de doce em calda estão no fim. O horrível café carioca, a que santista nenhum se habitua, nem com pedaço de goiabada pode ser adoçado. Pois que ela, a goiaba doce, acabou. Sal, aqui, está esparramado em todo canto. A pressão do carioca está baixando. A muque. Leite, aqui, você compra. Leva o litro vazio, paga, aí, a água esbranquiçada, traz outro litro cheio. Sem briga. Sem discussão. Lá, para conseguir um litro, você teria que madrugar. Dormitar enregelada, num rabo de fila. E, talvez, no fim, veria sem recompensa todo seu sacrifício.

É, minha amiga. Queixamo-nos. A vida está difícil. Ruim mesmo. E cada vez mais impossível de ser vivida. Com um mínimo de tranquilidade. De estabilidade. Sem um pingo de esperança. É claro que, vivendo numa terra de liberdade, ninguém nos pode privar do direito de falar. De reclamar. De meter a lenha em quem ou no que achamos que é responsável por toda essa maluqueira que nos amargura. Mas há brasileiros que penam e se danam mais que nós. Está certo que desgraça alheia não serve de consolo. Ao contrário. Penaliza-nos ainda mais. Mas façamos como aquele chinês desgraçado. Que se lamentava pela falta de sapatos. Mas só até o minuto em que descobriu um homem sem pés.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série