GENTE E COISAS DA CIDADE Urubuqueçaba
Lydia Federici
A Urubuqueçaba nasceu ilha e sempre foi ilha. Mas já foi muito mais ilha do que é
hoje. Muita gente se lembra de quão raro era o dia em que se podia alcançá-la a pé enxuto. Atualmente, qualquer maré muito vagabunda de lua transforma a ilha em continuação da praia do José Menino. É bem possível que, em breve, segundo tudo indica,
a Urubuqueçaba seja tão ilha quanto a Porchat. Só de nome. No mais, um prolongamento elevado de praia.
Mas isso tudo pouco importa. Ilha ou não, a certeza de que ela sempre estará ali, à disposição dos nossos olhos, é que vale. Bonita e faceira ela é de sobra. Vive com um colar de rocha amarela no pescoço sempre molhado. E o cocuruto enfeitado por
um eterno chapéu de penachos verdes. Feminina até mais não poder.
Que quer dizer Urubuqueçaba?
Não falei com o professor Costa e Silva Sobrinho. Se o tivesse feito, poderia, com certeza absoluta, afirmar que esse nome tão esquisito significa "pouso de urubus". Ou refúgio de urubus. A afirmação vai, assim, meio a medo. Pode não ser nada
disso. Mas dizem que a ilha é uma espécie de albergue noturno das aves de preto. Se é verdade, quem vê, à tarde, os urubus se recolhendo ou, pela manhã, esticando as asas negras e brilhantes, que confirme a lenda.
Mas isso tudo, também, pouca importância tem. O que realmente interessa é saber que a ilha está ali, naquela ponta do José Menino. Atraindo olhares cismadores. Encantando, com sua virgindade, os que gostam dos aspectos puros da natureza.
Acontece que a ilha foi vendida. A uma grande organização imobiliária. Quando soube da transação, Santos, num estremeção, pôs as mãos na cabeça. Organização imobiliária não empata dinheiro à toa. Compra, modifica, edifica, vende. Adeus,
Urubuqueçaba selvagem. Urubuqueçaba de sossego. Urubuqueçaba de sonhos perdidos.
Toda Santos lembrou-se que a ilha selvagem era patrimônio artístico da cidade. Deus a pusera ali, rocha e verdura, isolada pelo mar, para fiar como fora criada: um oásis natural, livre da intrusão ou xeretice humana. E os amantes da natureza,
apavorados, foram ver, da avenida, a ilhazinha orgulhosa. Como desmantelar aquela esmeralda bruta de nossa paisagem? Tirar-lhe-iam a beleza agreste? O seu invencível encanto natural?
De fato, a ilha foi comprada e nela o homem colocará a sua mão. Onde é que o homem não põe a mão? Acontece, porém, que, em se tratando de uma organização santista que tem como diretor um santista inteligente e amante das belezas da cidade, a ilha
não perderá seu encanto. Foi o que Cláudio Donneaux garantiu e o que veremos em outra crônica.

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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