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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 146)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
20 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Urubuqueçaba
Lydia Federici
A Urubuqueçaba nasceu ilha e sempre foi ilha. Mas já foi muito mais ilha do que é
hoje. Muita gente se lembra de quão raro era o dia em que se podia alcançá-la a pé enxuto. Atualmente, qualquer maré muito vagabunda de lua transforma a ilha em continuação da praia do José Menino. É bem possível que, em breve, segundo tudo indica,
a Urubuqueçaba seja tão ilha quanto a Porchat. Só de nome. No mais, um prolongamento elevado de praia.
Mas isso tudo pouco importa. Ilha ou não, a certeza de que ela sempre estará ali, à disposição dos nossos olhos, é que vale. Bonita e faceira ela é de sobra. Vive com um colar de rocha amarela no pescoço sempre molhado. E o cocuruto enfeitado por
um eterno chapéu de penachos verdes. Feminina até mais não poder.
Que quer dizer Urubuqueçaba?
Não falei com o professor Costa e Silva Sobrinho. Se o tivesse feito, poderia, com certeza absoluta, afirmar que esse nome tão esquisito significa "pouso de urubus". Ou refúgio de urubus. A afirmação vai, assim, meio a medo. Pode não ser nada
disso. Mas dizem que a ilha é uma espécie de albergue noturno das aves de preto. Se é verdade, quem vê, à tarde, os urubus se recolhendo ou, pela manhã, esticando as asas negras e brilhantes, que confirme a lenda.
Mas isso tudo, também, pouca importância tem. O que realmente interessa é saber que a ilha está ali, naquela ponta do José Menino. Atraindo olhares cismadores. Encantando, com sua virgindade, os que gostam dos aspectos puros da natureza.
Acontece que a ilha foi vendida. A uma grande organização imobiliária. Quando soube da transação, Santos, num estremeção, pôs as mãos na cabeça. Organização imobiliária não empata dinheiro à toa. Compra, modifica, edifica, vende. Adeus,
Urubuqueçaba selvagem. Urubuqueçaba de sossego. Urubuqueçaba de sonhos perdidos.
Toda Santos lembrou-se que a ilha selvagem era patrimônio artístico da cidade. Deus a pusera ali, rocha e verdura, isolada pelo mar, para fiar como fora criada: um oásis natural, livre da intrusão ou xeretice humana. E os amantes da natureza,
apavorados, foram ver, da avenida, a ilhazinha orgulhosa. Como desmantelar aquela esmeralda bruta de nossa paisagem? Tirar-lhe-iam a beleza agreste? O seu invencível encanto natural?
De fato, a ilha foi comprada e nela o homem colocará a sua mão. Onde é que o homem não põe a mão? Acontece, porém, que, em se tratando de uma organização santista que tem como diretor um santista inteligente e amante das belezas da cidade, a ilha
não perderá seu encanto. Foi o que Cláudio Donneaux garantiu e o que veremos em outra crônica.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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