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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 145)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
19 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Domingo de festa
Lydia Federici
Há domingos e domingos. Este último foi Domingo. Com maiúscula. Um grande senhor domingo. Domingão no duro.
Começou com sol bonito. Alguém reparou? O sol mandou todo mundo para a praia. Quem viu a beleza do céu enfeitando a beleza do mar?
Muita gente, antes disso, havia ido à missa. Para fazer, ao seu santo predileto, uma oração que brotava, agoniada, bem lá do fundo do coração.
Veio o almoço. Mal almoçado. Que emoção tira o apetite. Quem se lembra do que almoçou no domingo? Macarronada com molho de dúvida? Fritos gelados de medo? Filé de esperança com peixe? Ou peixe com esperança de filé?
E veio o jogo. Jogo ouvido. Que os olhos da imaginação tentavam visualizar. Houve roer de unhas. Braço erguido em defesa. Pé chutando. Oração. Xingação. Tremedeira. Um gol amarelando todas as caras. Gelando estômagos. Um menino que soltou um
foguete errado. E que, encolhido diante dos olhares furiosos, gritava em pânico: "Não sou checo, não. Não sou checo, não!"
E o maldito rádio que só dizia: "Brasil, um. Checoslováquia, um".
Gente esnobe que sorria. Fingindo não ligar. Até a hora em que a madame, baforando um americano, perguntou: "Porque esse Gilmar não faz um gol?" Minha senhora! Gilmar é goleiro. Ai dele se fizer um gol.
E, de repente, a cabeçada do Zito. "Quem diz que brasileiro não tem cabeça?"
Só com o terceiro gol é que alguns papudos começam a contar vantagem. Estufando o peito, gritam: "Eu não dizia? Eu não dizia?" Bolas. Que adianta dizer, que adianta apostar, se está na cara de olhos arregalados o medo de assombração?
E, por fim, liquidado, resolvido, vencido, "olé", mais um campeonato do mundo. O jogo foi lá no Chile. Decidido por onze brasileiros. Mas isso não é verdade. Santos inteira, aqui, grita e berra e dança: "Somos bicampeões. Somos bicampeões". Eles,
lá, podem ter chutado bola. Mas a vitória é nossa. Nós é que nos abraçamos. Que nos cumprimentamos a tremer. Nós é que somos e nos sentimos campeões.
Ninguém sente frio. A alegria esquenta até os miseráveis de pé no chão. Bebe-se champanha no meio da rua. Traga-se cachaça na padaria do português. E depois esquece-se o copo. Não é preciso álcool para alegrar o coração de ninguém. A vitória já
embriagou todo mundo. Grita-se para gente que nunca se viu. Trocam-se apertos de mão com desconhecidos. E daí? Somos todos brasileiros. Somos todos os bicampeões. Um pulôver verde sacudido, uma flanela amarela agitada, qualquer coisa balançada,
lembra-nos o Brasil campeão do mundo. Que importa todo o resto? É aproveitar o carnaval de alegria e botar pra fora o orgulho que nos esquenta o coração.
Deus! Bem que precisávamos de um dia assim. Só desilusão e essa marcha-a-ré em que andamos estava sendo de liquidar qualquer cristão.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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