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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 144)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 17 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Bar de praia

Lydia Federici

Não é bem, bem, de praia o bar da história. Pelo menos não fica ali, plantado na avenida que circunda a praia. Mas, por estar na segunda quadra, pode, evidentemente, passar por bar de praia. Ou de zona praiana. Essa zona chique, bonita, bem cheirosa, habitada por gente de recursos razoáveis. E hábitos também.

Pois fica numa esquina da primeira quadra esse bar. E, uma vez que o fato é verdadeiro, digamos a verdade completa. Não é exclusivamente um bar. É um armazém de secos. Em que os molhados são vendidos em litros ou em doses pequenas sobre um balcão em curva.

Agora que a verdade foi estabelecida, vamos adiante.

Ao balcão, ocupado pelo lado de dentro por um rapaz em mangas de camisa, chegou-se outro rapaz que, pelo jeito, também não devia estar sentindo muito frio. Pelo menos externamente. Pois uma camisa fina chegava muito bem para isolá-lo do frio moderado da tarde que caía.

O que o rapaz de fora pediu, ninguém chegou a ouvir. O que o outro lhe deu foi fácil de identificar. Sobre um cálice sem pé, de fundo grosso, batido sem dó sobre o mármore, uma garrafa de mel ficou suspensa. O líquido espesso, cor de ouro velho, foi escorrendo do fundo da garrafa. Levou tempo para chegar até o gargalo. Começou a escorrer em filete. Não era esse melzinho aquoso e anêmico que se vê por aí. Era compacto. Olhe! Tão consistente que, se não fosse de boa marca, dava para desconfiar que ali havia entrado muito de melado.

Quando o cálice pegou o seu dedo de mel, a garrafa foi levantada com um golpe de mestre. Nem uma gota, grossa, pingou fora. Ou ficou a escorrer. Nesse instante, outro freguês pediu qualquer coisa ao rapaz que atendia ao balcão. Ele pousou o litro sobre o mármore, largou a rolha ao lado e pegou o maço de cigarros solicitado.

"Eri. Você larga a garrafa aberta e vai embora?" reclama, a rir, o rapaz do lado de fora. "Assim entra mosca". E, pegando a rolha, enfiou-a no gargalo comprido.

"Onde é que você está vendo mosca aqui", pergunta o do bar, olhando o ar.

O outro espeta o dedo na garrafa. Colados ao vidro, dois pontos escuros sobressaíam no dourado. Desciam vagarosamente, empurrados pelo mel que voltava ao fundo. O de dentro do balcão olhou, agarrou a garrafa que o outro, agora, segurava. Curvou o rosto sobre o vidro.

"Isso não é mosca. É abelha".

O freguês pensou três segundos. Largou uma risada de criança. "Desde quando, no mel, eles metem abelha? Isso é mosca no duro. Asa e tudo".

E era mesmo. Duas. Pretas. Gordas. Luzidias.

Depois que aconteceu? Ó meu amigo. Você ficaria lá pra ver o fim da história?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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