GENTE E COISAS DA CIDADE Bar de praia
Lydia Federici
Não é bem, bem, de praia o bar da história. Pelo menos não fica ali, plantado na avenida que circunda a praia. Mas, por
estar na segunda quadra, pode, evidentemente, passar por bar de praia. Ou de zona praiana. Essa zona chique, bonita, bem cheirosa, habitada por gente de recursos razoáveis. E hábitos também.
Pois fica numa esquina da primeira quadra esse bar. E, uma vez que o fato é verdadeiro, digamos a verdade completa. Não é exclusivamente um bar. É um armazém de secos. Em que os molhados são vendidos em litros ou em doses pequenas sobre um balcão
em curva.
Agora que a verdade foi estabelecida, vamos adiante.
Ao balcão, ocupado pelo lado de dentro por um rapaz em mangas de camisa, chegou-se outro rapaz que, pelo jeito, também não devia estar sentindo muito frio. Pelo menos externamente. Pois uma camisa fina chegava muito bem para isolá-lo do frio
moderado da tarde que caía.
O que o rapaz de fora pediu, ninguém chegou a ouvir. O que o outro lhe deu foi fácil de identificar. Sobre um cálice sem pé, de fundo grosso, batido sem dó sobre o mármore, uma garrafa de mel ficou suspensa. O líquido espesso, cor de ouro velho,
foi escorrendo do fundo da garrafa. Levou tempo para chegar até o gargalo. Começou a escorrer em filete. Não era esse melzinho aquoso e anêmico que se vê por aí. Era compacto. Olhe! Tão consistente que, se não fosse de boa marca, dava para
desconfiar que ali havia entrado muito de melado.
Quando o cálice pegou o seu dedo de mel, a garrafa foi levantada com um golpe de mestre. Nem uma gota, grossa, pingou fora. Ou ficou a escorrer. Nesse instante, outro freguês pediu qualquer coisa ao rapaz que atendia ao balcão. Ele pousou o litro
sobre o mármore, largou a rolha ao lado e pegou o maço de cigarros solicitado.
"Eri. Você larga a garrafa aberta e vai embora?" reclama, a rir, o rapaz do lado de fora. "Assim entra mosca". E, pegando a rolha, enfiou-a no gargalo comprido.
"Onde é que você está vendo mosca aqui", pergunta o do bar, olhando o ar.
O outro espeta o dedo na garrafa. Colados ao vidro, dois pontos escuros sobressaíam no dourado. Desciam vagarosamente, empurrados pelo mel que voltava ao fundo. O de dentro do balcão olhou, agarrou a garrafa que o outro, agora, segurava. Curvou o
rosto sobre o vidro.
"Isso não é mosca. É abelha".
O freguês pensou três segundos. Largou uma risada de criança. "Desde quando, no mel, eles metem abelha? Isso é mosca no duro. Asa e tudo".
E era mesmo. Duas. Pretas. Gordas. Luzidias.
Depois que aconteceu? Ó meu amigo. Você ficaria lá pra ver o fim da história?

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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