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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 143)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 16 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Itaipu

Lydia Federici

É bonito o diabo do morro. Lá, do lado em que o sol se deita, é o último de uma cadeia que parece abraçar, com carinho, a nossa ilha. Avança para o mar alto. E, no azul, muito a gosto, vai descendo. Até acabar num mergulho manso.

É muito, muito bonito, o velho morro do Itaipu. Só que não há mulher que consiga gostar objetivamente daquela verdura. Manchada, aqui e ali, pelo pardo-dourado das rochas úmidas. Por quê?

Porque não há mulher que goste de coisa que lembre guerra. E ali há um forte. Um forte-sentinela. Um forte que representa segurança, é certo. Mas uma fortaleza com bocas de canhão camufladas. Cujo manejo, e isso é que é o pior, todos os anos, rapazes, que adormecemos com um beijo e um aconchego de cobertor, vão penar para aprender. Danados por se sentirem presos. Obrigados a obedecer.

Não. Não há mulher que olhe para o Itaipu sem sentir um aperto no coração. Não adianta saber que ali é uma escola onde nossos rapazes aprendem a amar a sua terra. Para poder, depois, em qualquer campo, servi-la com consciência. Itaipu é perda momentânea de um filho. É perigo embora sendo garantia. É painel. É disciplina militar. É trabalho duro. Como podemos nós gostar daquilo? Mulher não é cabeça. É toda coração. Só coração. E coração não compreende exército. Um só exercício de tiro do Itaipu deixa toda mãe a tremer. Um caminhão verde que passa à locomoção de tropa. "Pra onde mandam o meu rapaz?"

Não. Mulher não compreende o Itaipu. Nem o que se faz ali. Respeita-o de longe. Teme-o em lugar de, por ele, sentir amparada. No entanto, mulher de Santos, ouça o que ouvi:

"Resolvemos, no ano passado, os ex-reservistas do Itaipu, reunir-nos para rever velhos companheiros dispersos. E relembrar nosso tempo de serviço. Foi em 1919 que, abandonada a Fortaleza Velha, o novo forte principiou a servir. Formávamos, naquela época, o 3º Grupo de Artilharia de Costa. Que, de 32 a 59, passou a ser 5ª G.A.C. Programada a reunião, uma pequena comissão de ex-reservistas foi, como era lógico, até o Itaipu para convidar o comandante. Entramos. Os anos haviam modificado aquilo tudo. Não reconhecíamos a nossa fortaleza. Mas, quando subimos o morro e deparamos com a 1ª e 2ª Baterias de nosso tempo de serviço, nossos olhos se encheram de lágrima. Ali estava a nossa fortaleza. Ficamos parados. Mudos. Passamos a mão nos velhos canhões. Era como se fosse naquele tempo".

"Quando nos sentamos à mesa, comandados e comandantes, toda a incompreensão desapareceu. Havia, outrora, um sargento duríssimo. Execrável. Odiado por toda a rapaziada. Pois ali estava ele. Fomos abraçá-lo. Com emoção. Nada mais havia senão saudade. E uma camaradagem que nos unia de forma tão ampla que nos sentimos irmãos. Filhos da mesma Pátria. Mais brasileiros do que nunca".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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