GENTE E COISAS DA CIDADE Banho de mar
Lydia Federici
É uma pena que este frio que o Sul nos manda vá impedir-nos de verificar algumas observações. Não importa. Todos nós
temos olhos. E memória. São os banhos de mar tomados e vistos que entrarão na berlinda. Se houver dúvidas, é só esperar por um bom dia de sol. E de mar quente. E ir à praia.
Em primeiro lugar, é necessário separar o banho de mar dos homens, daquele que as mulheres tomam. Depois, fazer a lembrança trazer, aos nossos dias, aspectos um pouco velhos. Não muito. Que o tempo, nesse particular, não faz grande diferença. O mar
não mudou. E dentro dele, nem homens, nem mulheres.
Como é que homem toma banho de mar? Bem. Tudo quanto é representante do sexo masculino, de menino a vovô, enfrenta o mar de frente. Essa redundância é proposital. Homem enfrenta o mar de frente. Pode ele entrar na corrida. Dar um mergulho corajoso
ainda no raso. Raspando o peito na areia do fundo. Ou ir entrando bem de manso. Passo a passo. Recebendo as ondas nas pernas, na barriga, no peito forte ou encovado. Alguém se lembra de ter visto um rapaz virar o rosto de lado para evitar a lavada
espumarenta de uma onda? Fosse ela pouco mais que uma marola ou montanha assustadora de mar australiano? Capaz.
Banho de mar masculino é um desafio. É uma atitude de coragem. Direta. Altiva. Quando muito o homem salta. Mas sempre olhando para a frente. E o prazer que faz lampejar o olhinho risonho do guri
estampa-se também no sorriso vitorioso do homem feito. É certo que nem todos vão até perder pé. Muitos, quase todos na verdade, limitam-se a chegar até ali. Não mais. Mas, nesse limite, os senhores homens, dentro d'água, agem como a gente gostaria
de vê-los agir sempre.
Homem, no mar, foi assim em todos os tempos. Tenhamos nós vinte ou oitenta anos, a observação ou a lembrança afirma essa virilidade do banhista de cabelo curto.
E banho feminino como é? Houve modificação? Nos maiôs, sim. No resto, não.
Banho de mar tomado por mulher é espetáculo de medo. Gracioso ou não. Se chega a sentir prazer em boiar na água calma, eé um prazer assustado. Sempre preocupado em ver se não vem onda. Se a maré não a está levando para fora. Mulher parece que entra
no mar por obrigação. Abafa ou larga o primeiro gemido assim que molha a sola do primeiro pé. Não adianta a água estar morna. É suficiente ser mar para assustá-la. Arrepiá-la. Dar-lhe vontade de recuar.
Se, valentemente, continua a entrar, arregala os olhos para qualquer marola mais alta. Estica-se toda, bem na ponta dos pés. E, se for onda franjada que avança, não há perigo que menina broto, moça, mulher ou velha a pegue de frente. É de costas,
sim senhora. Ou de lado, as mais corajosas. Por uma questão de defesa ou por coerência com seu modo de ser, não há mulher que enfrente onda. Dribla-as, apenas. Numa preocupação danada de não estragar o penteado. Mas, no fim, toma o seu banho de
mar.
E é por isso, minha amiga, que o mar é essa belezura que é. Mostra homens e mulheres como, de fato, são.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
|