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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 142)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 15 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Banho de mar

Lydia Federici

É uma pena que este frio que o Sul nos manda vá impedir-nos de verificar algumas observações. Não importa. Todos nós temos olhos. E memória. São os banhos de mar tomados e vistos que entrarão na berlinda. Se houver dúvidas, é só esperar por um bom dia de sol. E de mar quente. E ir à praia.

Em primeiro lugar, é necessário separar o banho de mar dos homens, daquele que as mulheres tomam. Depois, fazer a lembrança trazer, aos nossos dias, aspectos um pouco velhos. Não muito. Que o tempo, nesse particular, não faz grande diferença. O mar não mudou. E dentro dele, nem homens, nem mulheres.

Como é que homem toma banho de mar? Bem. Tudo quanto é representante do sexo masculino, de menino a vovô, enfrenta o mar de frente. Essa redundância é proposital. Homem enfrenta o mar de frente. Pode ele entrar na corrida. Dar um mergulho corajoso ainda no raso. Raspando o peito na areia do fundo. Ou ir entrando bem de manso. Passo a passo. Recebendo as ondas nas pernas, na barriga, no peito forte ou encovado. Alguém se lembra de ter visto um rapaz virar o rosto de lado para evitar a lavada espumarenta de uma onda? Fosse ela pouco mais que uma marola ou montanha assustadora de mar australiano? Capaz.

Banho de mar masculino é um desafio. É uma atitude de coragem. Direta. Altiva. Quando muito o homem salta. Mas sempre olhando para a frente. E o prazer que faz lampejar o olhinho risonho do guri estampa-se também no sorriso vitorioso do homem feito. É certo que nem todos vão até perder pé. Muitos, quase todos na verdade, limitam-se a chegar até ali. Não mais. Mas, nesse limite, os senhores homens, dentro d'água, agem como a gente gostaria de vê-los agir sempre.

Homem, no mar, foi assim em todos os tempos. Tenhamos nós vinte ou oitenta anos, a observação ou a lembrança afirma essa virilidade do banhista de cabelo curto.

E banho feminino como é? Houve modificação? Nos maiôs, sim. No resto, não.

Banho de mar tomado por mulher é espetáculo de medo. Gracioso ou não. Se chega a sentir prazer em boiar na água calma, eé um prazer assustado. Sempre preocupado em ver se não vem onda. Se a maré não a está levando para fora. Mulher parece que entra no mar por obrigação. Abafa ou larga o primeiro gemido assim que molha a sola do primeiro pé. Não adianta a água estar morna. É suficiente ser mar para assustá-la. Arrepiá-la. Dar-lhe vontade de recuar.

Se, valentemente, continua a entrar, arregala os olhos para qualquer marola mais alta. Estica-se toda, bem na ponta dos pés. E, se for onda franjada que avança, não há perigo que menina broto, moça, mulher ou velha a pegue de frente. É de costas, sim senhora. Ou de lado, as mais corajosas. Por uma questão de defesa ou por coerência com seu modo de ser, não há mulher que enfrente onda. Dribla-as, apenas. Numa preocupação danada de não estragar o penteado. Mas, no fim, toma o seu banho de mar.

E é por isso, minha amiga, que o mar é essa belezura que é. Mostra homens e mulheres como, de fato, são.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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