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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 141)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
14 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Uma janela
Lydia Federici
Tudo vai de criação. Quando a gente aprende que não se deve pôr os olhos em janela alheia, nãohá nada a fazer. Olhar
sempre nos deixa, lá por dentro, um certo sentimento de culpa.
É evidente que nem todos receberam a mesma lição. É por isso que muita gente sempre arruma assunto fresco. Sabe-se do bom gosto do vizinho recém-chegado pelo tamanho e colorido das toalhas que enfeitam o peitoril de uma janela ensolarada. Sabe-se
que a menina tem namorado novo, pelo longo tempo que fica a corrigir um ligeiro desvio de cinco pelos da sobrancelha cerrada. Sabe-se que a empregada daquele apartamento é louca pra remexer gaveta. E cheirar perfume. E descobrem os olhos
embinoculados que ela é louca, principalmente, para tentar, com a beleza que Deus lhe deu, todos os rapazes da vizinhança.
Janela, de casa ou de apartamento, não serve exatamente para o fim de clarear e arejar. É coisa muito mais importante. É canal de comunicação. É palco de atitudes. E vitrina. Vitrina onde se expõem artigos não vendáveis. Ou artigos solicitáveis. E
sentimentalmente, pelo menos, comerciáveis. Muita coisa começa e acaba em janela.
Para os que aprenderam que janela alheia é retângulo não olhável e para os que acham que janela pode ser vasculhada à vontade, atrevo-me a dar o mesmo conselho. Há, numa janela de casa santista, uma coisa que, não sendo olhada, merece castigo. E
vale para todos. Bem educados ou atrevidos.
Que é?
Nem sei como explicar. Só sei que é beleza pura. Poesia.
Seja lá, meu amigo, você o que for. Goste do que gostar. Se quiser ver algo capaz de, com uma simples contemplação de minuto, melhorar esta vida tão cheia de luta, problemas e incertezas, acompanhe este itinerário.
Sabe onde é a rua Bittencourt? Sim. Lá na cidade. Perto da praça José Bonifácio. Vindo pela Senador Feijó ou pela Braz Cubas, é entre estas duas ruas que fia a janela. Do lado da praia, quase esquina da Feijó.
É uma janela de casa velha. Não um vitrô. Uma simples janela, mais alta que larga. Batendo os olhos nela, a gente logo vê que é ali. Sobre o peitoril, bem no centro, há um vaso. E é só.
E, por causa de um vaso, mando-o trocar de pernas? Estender o pescoço para cima? Exatamente. Com uma correção ligeira, porém. Não o mando, meu amigo. Sugiro-lhe, apenas.
Descubra a janela. Veja o vaso. Se aquele guarda-chuva verde, recoberto de flores cor de rosa, nada lhe disser à alma, ou não lhe puser lágrimas nos olhos, ou não fizer que suas mãos, inconscientemente, se unam em oração, permita-me dizer-lhe que o
que você vê de graça, ingleses gastam milhões para cultivar, pobremente, em suas estufas: a flor de maio.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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