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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 140)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 13 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Solução pra greve

Lydia Federici

Solução pra greve? Já podia ter sido encontrada. A questão é que essa minha amiga só se lembrou disso no dia de ontem.

Dar o que os grevistas pedem? Pois sim. Parece que eles estão querendo coisas que, embora sendo justas, estão sendo exigidas de uma forma que as torna ilegais. Nada feito, portanto.

Mandar tropa de metralhadora pra pôr os grevistas a trabalhar? Nem pense nessa barbaridade. Nós não somos disso. Se bem que, justamente, em alguns casos, por falta de atitude, é que o negócio engrossa.

Bem. Então, qual a solução?

"Mande os grevistas lá pra casa. Dou dois dias para eles voltarem ao trabalho". Falou com tanta segurança que acreditei. Mas não consegui descobrir a forma pela qual ela resolveria o problema. Imagine se já não se quebrou a cabeça para achar uma fórmula conciliatória. Que outra ideia poderia haver? Logo numa cabeça bonita? Que não gosta muito de pensar?

"Muito simples. Mande toda a turma lá pra casa".

"Pra ouvir falação? Não há baiano que resolve, minha filha".

"Que falação coisa nenhuma. Eu punha a turma a trabalhar. E logo. Um ficaria encarregado de arranjar álcool para a espiriteira. Um só, não. Punha meia dúzia de uma vez. A trocar pernas por aí. Com o dinheiro contadinho. Pra ver se eles arrumavam alguma coisa. Mandava outra turma atrás de querosene. Também com dinheiro certo. E outros, à procura de carvão. Que é com isso tudo que eu me defendo. Depois, então, quando eles chegassem, cansados e mortos de fome, sabe o que eles comeriam? O que estamos comendo. E que está nos deixando mais frouxos e enjoados que doente de fígado: arroz-papa. Queimado pela fúria da espiriteira. Feijão com gosto de chamusco. Bife encarvoado".

Falou isso tudo sem pausa onde se pudesse enfiar uma observação. Quando sossegou a língua e as mãos, deu jeito de encaixar uma pergunta. Que é que ela pensa que o pessoal do gás está comendo?

"O que eles comem, com que cozinham, não me interessa. Garanto que a minha comida liquidaria com eles. A comida e o que me usta fazê-la".

Deus! Será que está tão duro assim? Pra que fazer tantos pratos? É reduzir. É resumir. Simplificar. Calçar o estômago com pão.

"Com que pão? As padarias não têm farinha que dê. Isto é uma desgraça quase completa. E ó, para completá-la, só falta o nosso time perder do Chile. Aí arrebenta coisa".

Nesse ponto, o negócio ficou sério. Muito sério. E pensamentos sérios, na agonia em que estamos, não vão dar boa coisa.

***

Felizmente a greve acabou. Do contrário, era mandar a turma pra casa da Lena. Talvez se tivesse podido resolver a greve um pouco antes. Mas que foi duro, foi.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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