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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 139)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 12 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Namorados

Lydia Federici

Quem pode contar a história de namorados é um velho jasmineiro. Porque, coitado, nunca fez outra coisa em sua vida, senão servir aos seus amores.

Não creia, meu amigo, em gente que diz que o amor, a cada ano, vai sofrendo modificações. Perdendo ternura. Romantismo. Virando coisa comum. Sem graça. Bobagem! O amor não muda. Não no fundo. Tampouco na forma, a dar ouvidos a essa velha planta.

É um velho jasmineiro de tronco rugoso. Plantado junto ao muro da rua, debruça-se todo, muito curioso, sobre o passeio ensolarado. Dali, nada mais tendo a fazer - chuva e sol manda-lhe o céu, de graça -, leva as horas a curiosar os passantes. Principalmente os namorados.

Sente prazer, nos dias de chuva intempestiva, em servir de abrigo a casais desprevenidos. Ri com o riso nervoso das empregadas da vizinhança. Ouve a prosa insistente dos serventes baianos. Mas quando a conversa de língua passa a ser conversa de mão, a planta, envergonhada, estremece. E despeja água em catadupa. Que amor de rua tem que ter certa compostura, ó xentes. Rua é rua. Lugar público, que diacho.

Quanto a romantismo, não acha que os namorados, no íntimo, tenham mudado. São sempre iguais. Sente-o na própria carne lenhosa. Nas flores que lhe arrancam. Há mais de trinta anos. Conhece aquele casal de namorados desde o tempo em que, solteiros, sem cabelos brancos como agora, principiaram a passar seu amor pela rua. Ele arrancando um raminho que, com ternura, oferecia a ela. Ela destacando três florzinhas para a lapela do paletó dele.

Em trinta anos de passeio, apesar dos filhos criados, dos netos nascidos, nada mudou. Só a cor dos cabelos de ambos. E a camisa que ele usa em lugar do severo paletó. E em cuja primeira casa ela continua a enfiar os jasmins que ele continua a oferecer-lhe com ternura.

E os namorados de agora? Há, ainda, um parzinho de crianças grandes. Passam os dois de uniforme. Sempre. Ela de branco. Ele de cinza. Ela olha o jasmineiro. Para. Larga-lhe a mão suja de tinta. Ele sorri. Cresce mais que seus 14 anos e arranca uma ponta de galho. Toda pintalgada de branco. Até lá a esquina, feliz, a planta se diverte vendo a menina-moça açoitar, de leve, a mão morena que lhe deu as flores perfumadas.

Há, ainda, o rapaz de camisa vermelha. Com a morena baixinha. Que aumenta sua estatura com um palmo de penteado negro e brilhante. Passam enlaçados. Ele colhe uma flor. Só uma. Ela a põe entre os lábios. E perdem-se os dois em olhares. Ele, vendo a flor em seus lábios. Ou a flor de seus lábios? Ela, sorrindo da gulodice daqueles olhos ardentes, cada vez mais próximos. Um ladrilho levantado, lá adiante, acaba com o enlevo. O que acontece depois, o jasmineiro nunca soube. A rua faz uma curva.

Há, também, os enamorados silenciosos. É ela quem arranca a flor. Flor que vai logo além. Amassada por mãos que se entrelaçam. Em tortura. Entre suspiros.

Não. O amor não muda. Os namorados são sempre iguais.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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