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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 138)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Propaganda

Lydia Federici

Morro de Santos está virando varal de propaganda. E daí?

Daí, está saindo briga. E daí?

Daí, briga dá barulho. E em barulho, de longe ou de perto, todo mundo se mete. Há os que acham que está certo. Como existem os que esperneiam. Os primeiros defendem o direito de enfiar cartazes e painéis em qualquer lugar que os possa suportar. Em fralda de morro. Em parede de edifício. Em chaminé de fábrica. No ar. Em lapela de paletó. Em colo de moça. Os outros acham que não. Para cada coisa há um lugar. Então verde de morro é para ser desbastado? Coberto, depois, com um quadro agressivo?

Nessa história toda, a opinião mais sensata que ouvi, saiu dos lábios risonhos de uma lavadeira portuguesa. Foi ela, aliás, que chamou o morro de varal.

"Dona. Incomode-se um pouco e venha cá ver uma coisa".

A coisa era o fundo de seu quintal. E, nele, o varal. Um fio comprido de arame. Correndo de Norte a Sul. Outro mais. Enviesado. A jeito de pegar o vento. Que quando não há sol, o melhor pra secar a roupa é uma boa corrente de ar. Sabia?

"Agora veja. Olhe bem para esta roupa. Que tal lhe parece?"

E essa agora? Estava bonita. Bem lavada. O branco era imaculadamente branco. A de cor, com o vermelho e o rosa e o amarelo muito vivos. Sem manchas. Até cheirando bem.

"Ai, dona. A senhora não me entendeu. Não me referia à lavagem das peças. Veja a forma com que distribuí, pelo varal, as roupas grandes e as miúdas. As brancas e as de cor". Olhava-me a sorrir. Meio divertida com a falta de percepção demonstrada.

"Pois é isso. Depois que os americanos descobriram que a propaganda é que vende seja lá o que for, ninguém poderá evitar que se faça propaganda. Descobriram os morros de Santos, pois não? Descobriram-nos tarde. Eles estavam a calhar. O que acontece é que neles estão a pendurar coisas muito mal dependuradas. E muito feias. Mal comparando, parece varal de gente sem gosto. Que usa roupa feia e ainda as mostra, a secar, numa mistura ainda pior".

Bem. Que sugeriria ela? Pôs a mão no queixo. Sempre a sorrir.

"Letras são muito bonitas. A senhora já viu, no morro da entrada da barra, aquelas letras brancas? São bonitas de dia. E à noite, na água, o reflexo trêmulo do reclame não parece prata? Já imaginou que presépio não poderíamos ter ao redor da cidade?"

Vi o varal bonito de dona Joaquina. Que artista.

E não é que ela tem razão? Propaganda é propaganda. Morro é um varal às ordens. É só saber usá-lo. Chamem dona Joaquina para escolher e espalhar as peças de propaganda. E estará resolvido o problema. Santos virará um presépio colorido.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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