Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d137.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:17:26
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 137)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 9 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Podia ser pior

Lydia Federici

Uma estatística afirma que a greve do pessoal do gás afetou a vida de trinta mil casas. Ou, bem entendido, a vida dos moradores de trinta mil casas. Porque a velha City, em número redondo, tem trinta mil ligações estabelecidas.

Sei de muitas casas que têm fogão alimentado a gás de rua e a gás engarrafado. Para essas donas de casa, a greve não teve, praticamente, importância. Apenas, talvez, o número de famintos,, ao redor da mesa, tenha aumentado. Mas isso é problema de mesa. Não de cozinha.

E as outras todas? Como se arranjaram as cozinheiras cujo fogão só funciona com o gás que vem da rua?

No primeiro dia, aceitou-se a coisa com bom humor. Ninguém vai estourar porque, no almoço, só saiu um bife. Até que foi divertido ouvir todo mundo perguntar a todo mundo que almoço havia engolido.

No segundo dia, a história perdeu a graça. Ter que raspar a pretura das panelas é coisa a que esmalte de unhas não resiste. Seja ele qual for. E um prato só, uma panelada de qualquer coisa, não satisfaz a ninguém. Brasileiro sempre gostou de cinco pratos, no mínimo. Que miséria é essa? A mesa vazia e o estômago atulhado de "risoto" acabaram com o bom-humor de todos. E veio a raiva. E chegou o desespero. Geral. Mas principalmente entre a grande colônia das donas de casa.

O máximo que ouvi, em matéria de desatino culinário, foi esta história. Verídica, sim senhora.

Quando estourou a greve, ela lembrou-se de um fogareiro elétrico escamoteado num armário qualquer. Procurou-o. Ligou-o. E o almoço saiu. Arroz queimado. Boca elétrica não tem meio termo. Quando acende, dá o máximo. Mas uns bolinhos fritos salvaram a situação. Como a família, trabalhando fora, tivesse hora para o almoço, a dona de casa lembrou-se de ver uma espiriteira. Com dois fogos, daria para continuar cozinhando coisa satisfatória.

Comprou a espiriteira no segundo dia. E, nesse segundo dia, por mais que trocasse as pernas pelo bairro, não encontrou álcool à venda. Estoque esgotado. A espiriteira ficou, nova e brilhante, sobre a pia. O fogãozinho elétrico deu, coitado, o que tinha para dar. No terceiro dia, cansado, pifou. Logo de manhã. Nem água pra o café esquentou. A resistência levara a breca. Até encontrar alguém que a substituísse, o almoço foi sanduíche de queijo. E olhe lá.

Uma filha, desatinada, correu à cidade. Comprou um "Jacaré". De duas bocas, só pra não ver a mãe tão nervosa. Mas esse fogareiro funciona a querosene. E onde está o querosene: Pode ser que haja em algum canto. Mas ela não o conseguiu descobrir.

"Não é muita desgraça junta? Já nem sei o que fazer. Pior não podia ser".

Calma. Muita calma. Podia ser pior, sim. Seria pior se não tivéssemos o que pôr na panela. Ou no estômago. É ou não é?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série