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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 136)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 8 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Uma casa

Lydia Federici

Não é como você pensa. Conheço o caso. Posso contar-lhe como é que eles fazem a sua casa. É um exemplo isolado. Mas prova alguma coisa.

Começou com uma troca de correspondência. Carta foi. Carta veio. Levando promessa. Trazendo queixa. E desesperança. Um belo dia, depois de muito penar, o de lá resolveu tentar o Brasil. Veio sozinho, com carta de chamada. Se desse certo, traria a mulher. Mais os dois filhos pequenos.

Chegou a Santos. Levou a mala para a casa do parente. Lá na Ponta da Praia. No dia seguinte já tinha emprego. Começou a trabalhar como cobrador do S.M.T.C., pegando da tarde até de madrugada. Habituado a levantar-se com o sol, para pegar na enxada, continuou a seguir o horário. No fundo do quintal, arrumou uns canteiros e plantou-os. Em pouco tempo colhia verduras. Vendia-as pela zona. Com isso ganhava, por dia, uns 200 ou 300 cruzeiros extras. Um tostão, dali, não saiu para o botequim. Não tinha tempo para isso. Nem aos domingos se permitia uma pobre comemoração. Tinha que juntar dinheiro para pagar sua passagem. E, depois, tinha que juntar mais dinheiro para trazer a mulher mais as crianças.

Trouxe-os. E esse foi o seu primeiro dia de festa. Festa de coração, não de mesa. Que dinheiro não se deita pela janela. Em bobagens.

Trabalhador, honesto, não olhando para o relógio, sempre pronto a cansar o corpo, não lhe foi difícil arrumar um lugar onde colocar a família. A mulher também não era de cruzar os braços. Como caseira, apesar dos filhos e do marido, ganhava bem o seu teto. E com pequenos favores, a família foi tocando sua vida. As crianças foram pra escola. A mulher trabalhava. Trabalhava o marido. Havia o ordenado fixo e ainda o ordenado que não recebiam em dinheiro. Mas que a terra lhes dava. Sóbrios de hábitos, saudáveis, conseguiam sempre, todo mês, ficar com um pequeno saldo. Nunca tocado. Sempre acumulado.

Compraram, numa vila distante, um terreno. Pequena entrada. Pequenas prestações mensais. Se fizessem uma casa e a alugassem, o terreno se pagaria sozinho. Mas, fazer uma casa? Mesmo um chalé, em quanto não lhes ficaria?

Compraram o material. Descarregaram, nas férias do marido, os caminhões. Foram eles próprios pedreiros, serventes, carpinteiros, pintores. Toda a família, sim senhor. De sol a sol. A casa está alugada. Paga-lhes o terreno e ainda lhes dá uns cobres que, em breve, bem economizados, comprarão outro pedaço de chão. Para ser ocupado por mais uma casa.

Foi assim que eles fizeram sua casa. Não foi de outro jeito, não. Ninguém lhes financiou a obra. Aquela casinha pequena representa trabalho e sacrifício. Há, ali, nos alicerces, sangue e calos de toda uma família. Inclusive de duas crianças. E cada uma daquelas tábuas conta a história de uma privação.

E é assim, meu amigo, que eles começam a enriquecer. Não é fortuna saída do céu. É suor e sacrifício, sim senhor.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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