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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 134)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
6 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Sem gás
Lydia Federici
Mal o despertador principiou a tocar, a mãozinha esperta travou-o com gesto seguro. O outro braço saiu de dentro do
cobertor. Com os olhos muito abertos, ela procurou a claridade da janela. Pois sim. Toda a parede era a mesma escuridão.
Espreguiçou-se com jeito. Sentada na beira da cama, vestiu o penhoar. Estremeceu sentindo o frio da fazenda. Por que não fazem fazendas quentes para o frio? Lã é quente. Lógico que é. Depois que esquenta com o calor do corpo, ora.
Depois de prender os cabelos rebeldes foi para a cozinha. Encheu a panelinha com água. deu dois passos à esquerda e chegou ao fogão. Abriu o registro geral, a chave do gás. Riscou um fósforo e chegou-o ao bico. Plef! O estouro fê-la pular, o
coração num disparo. "É ar no cano". Assim ouvira sua mãe explicar aquilo. Como é que ela fazia? Desligava a chave, esperava um momento. Tornava a abri-la. Esperava o chiado do gás. Mas onde estava o chiado? Abriu toda a chave. Riscou outro
fósforo, o corpo afastado do fogão, esbarrando na geladeira. Plef! Outro estouro. E outro susto.
Desorientada, com as pernas moles, sentou-se na beira de uma cadeira, apalpando a cintura grossa. "Calma. Não foi nada. Só um estourinho à toa".
Pensou no marido. Será que não acordara com aqueles estrondos? Sorriu. Para acordar Francisco, só as suas sacudidas. E o cheiro gostoso do café para acalmar-lhe o mau humor ao despertar. Como ia ser? Sem café? Pensou no que sua mãe faria numa
ocasião dessas. Ora. Gritaria para a vizinha. Perguntando se o seu gás também estava falhando. Riu. Ela não poderia fazer a pergunta assim, a vizinhos ainda pouco conhecidos. E nunca a essa hora da manhã. Mas quem sabe se algum acordara com os
estouros?
Fechou bem o penhoar, abriu a porta de entrada, acendeu a luz do corredor. Colou o ouvido à porta do apartamento vizinho. Nenhum movimento. Subiu a escada, soerguendo a barra do longo penhoar. No andar de cima, o mesmo silêncio. No terceiro,
também. Como informar-se? Como saber se era defeito do seu fogão? Deus. Será que o rapaz do escritório esquecera de pagar a conta? Será que a City, por essa razão, cortara o gás?
Voltou para o seu apartamento tremendo de frio. Como aprontar o café para Francisco? Coçou a sobrancelha pensando na mãe. De que jeito ela resolveria esse problema? Com espiriteira? Mas onde a espiriteira?
Foi para o quarto. "Francisquinho. Acorde". Sacudiu-o. "Escute, meu bem. Abra os olhos. Estamos sem gás". Choramingava. "Você pagou a conta do gás? Não fiz café, não. Então não estou dizendo que estamos sem gás?"
Ficaram os dois a olhar-se. Sem café? Como é que iam ficar sem café? Que houvera com o gás?
E se a casa de mamãe - abençoada mamãe que tudo resolvia - não ficasse ali perto, como é que ele ia trabalhar, preocupado em deixá-la sem café? E como é que ela ia passar a manhã, mandando-o trabalhar em jejum?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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