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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 133)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 5 de junho de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Carro abandonado

Lydia Federici

Foi neste último domingo, pela manhã, que a história começou a acontecer. O carro vinha vindo muito bem. De repente, deu um espirro. Pudera. Com a umidade que anda por aí. Deu um espirro e o motor deu de ratear. Parou de vez. O chofer encostou a ferrugem ambulante ao meio fio. Desceu, com ar amolado. Ninguém na rua. Abriu o capô. Enfiou a cabeça no motor. Foi nessa posição que o dono da casa da frente foi encontrá-lo.

"Presa de alguma coisa?". Ofereceu-se com cortesia. Quem disse que cortesia provoca cortesia? O que recebeu do chofer mal-humorado foi um "não" bem duro e seco. Nem a cabeça se deu ao trabalho de levantar. O dono da casa, meio ofendido, ia dar meia volta quando teve outra ideia. Se ele ficasse ali, olhando, sabia que o ouro ia ficar bem mais chateado do que já estava. Foi o que fez. Plantou-se na calçada. O outro puxou fio. Sacudiu as velas. Bateu no carburador.

"Vou buscar socorro. Quer dar uma olhada no carro?" E, sem mostrar a cara, rodou no pé e pôs-se a andar. O dono da casa abriu a boca. E tornou a fechá-la. Olhou o carro. As portas sem trava nem chave. Rádio. Ferramentas. Relógio. Tudo se oferecendo a qualquer mão gulosa.

"E eu vou ficar tomando conta disto aqui? A troco de que? Bolas. O dono que cuide do que é seu". Entrou. Entrou mas não sossegou. O carro, lá fora, de porta aberta, preocupou-o até a hora do almoço. E se levassem alguma coisa? De tanto em tanto, chegava até a frente, dava uma espiada na rua. O caro, firme, sempre no mesmo lugar. Do dono, nenhum sinal. Entrou. Almoçou. Uma porta bateu forte. Saiu na corrida. Seria o dono? Ou o mecânico? Ninguém. Ninguém, tampouco, mexeu no carro. De que jeito se sempre, da casa, havia olhos a chocar o automóvel abandonado?

À noite, a família resolveu acabar com aquela preocupação. Telefonaram à Delegacia de Trânsito. Havia queixa de algum carro roubado? Chapa número tanto? Fora largado diante do portão desde a manhã. Aberto. Todo equipado. Não. Incomodando, propriamente, não estava. Mas dava uma preocupação dos diabos. Mandariam o guincho? Obrigado.

O guincho não veio. Ninguém, na casa, dormiu sossegado. Todos julgavam ouvir ladrões a roubar o rádio. Na segunda-feira, o Morris continuava na rua. Todo orvalhado. Mas intacto. Por dentro e por fora. Uff. Que alívio saber que não há aproveitadores ou malandros na zona. Uma amiga quis saber o que havia com aquele carro parado. Outra telefonou. "É carro roubado? Avisaram a polícia?"

Telefonaram novamente para o Trânsito. Explicaram o negócio. Às 14 horas, finalmente, veio o guincho. Aí. Que bom ver o problema resolvido. Pois sim. O guincho empacou. Telefonaram para o Trânsito. Veio o "rabecão". Que não é mais "rabecão". Virou carro-socorro. O guincho desempacou. E, por fim, viram o caro sair. Para andar 23 metros e cair logo adiante. Mas aí o problema já era de outro vizinho. "Sai, azar".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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