Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d128.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:16:50
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 128)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 29 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Pesquisa

Lydia Federici

Eram quatro homens a consertar os buracos da rua. Dois assentavam os paralelepípedos. Um, vez ou outra, trazia uma pá de areia. O quarto era o chefe. Descansava o corpo sobre a tabuleta fincada no meio da rua. Sua circunferência tapava toda a palavra "Perigo".

Começou a chuviscar. O gordo endireitou o corpo, olhou o céu e mandou sua turma parar o trabalho. Encostaram-se todos ao muro de uma casa. Uma árvore deitada sobre a calçada servia-lhes de guarda-chuva. A conversa continuou. Mais animada. Porque, agora, era só o que tinham que fazer. Um deles catou, no passeio, meia página de jornal. Alisou-a sobre o joelho. Pôs-se a ler.

"Vejam isto. Ibeópeé". Lia com dificuldade. O da pá de areia debruçou-se sobre o pedaço de jornal. Largou uma risada zombeteira.

"Raios. Vê se lê direito, homem. Ibeópeé nada. É Ibope que se diz. Ibope. Está aí, olha: Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística". O outro queimou-se. Com ar zangado passou-lhe o jornal. "Leia você, então". Enfiou a mão no bolso, tirou um cigarro amarrotado. Pôs-se a olhar o céu.

"É essa história que eles fazem pra saber quem vai ganhar as eleições. Tem de São Paulo, de Campinas, de Ribeirão Preto, de Santos, de..."

"Lê aí esses números de Santos. O resto não interessa".

O sabichão dobrou a folha. Franziu o rosto. "Diz aqui: para governador do Estado, dentre estes candidatos, votariam em Jânio Quadros 43, 43..." e não desembuchava. O chefe estendeu a mão gorda.

"Dá aqui tu também. Onde está? Ahn. Jânio, 43 por cento. José Bonifácio, 20 por cento. Adhemar de Barros, 15 por cento. Auro Moura Andrade, 6 por cento. Não sabem, 16 por cento. Sorriu, satisfeito. "O magrinho ganha longe". O zangado perguntou:

"E o resto que está escrito?"

"É uma divisão por sexos. Homem e mulher. Jânio, nos dois, tem 43 por cento. José Bonifácio, entre os homens, 23 por cento. Entre as mulheres, só 13 por cento. Ué. Porque essa diferença?".

"Pro Bonifácio? Minha mulher também não vai com ele". A chuva havia passado. Eles cercavam, por um lado, a folha amarrotada. Discutiam feio. O chefe alteou a voz.

"Veja, tem mais coisas. A classe rica está com o Bonifácio. 50 por cento. Contra 25 para o Jânio. A média, 41 com o Jânio e 22 com o Bonifácio. A pobre e a pobre inf.. Que é pobre inf.? Pobre inferior? Ou pobre infeliz?" Riram todos. "As duas pobres estão com o magrinho. 44 e 45 por cento. Para o outro, só 20 e 17 por cento. Já perdeu. Pobre é quem manda. Pobre é o grosso".

"É grosso mesmo. Não há dúvida. Mas de quando é isso?" Viraram e reviraram o jornal. Não encontraram a data. Não ligaram. Que importância tinha isso para eles?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série