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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 123)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 23 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Macuco

Lydia Federici

Sandra Dias dos Santos, uma pequenina escritora de 7 anos, aluna do Pedro II, num canto da 'A Tribuninha', exatamente há uma semana, cantou um pequeno hino de amor ao seu bairro. O famoso Macuco. Achou-o belo. Sem arranha-céus mas com casas bem construídas. Falou das árvores que sombreiam as ruas calçadas. Dos pássaros que cantam. Do Macuco, gosta de tudo. Principalmente do jardim público que tem balanços, escorregadores e gangorras. Numa explosão de orgulho, como remate final, afirmou:

"Não troco o meu bairro pelo centro da cidade". Dito isto, disse tudo. Nem mais seria preciso acrescentar.

Sandra, minha pequenina macuquense. Você tem razão. O Macuco é um grande bairro. Sempre gozou de fama. Como bairro trabalhador e valente. Foi um bairro operário. Hoje é de classe média. Seus chalés estão desaparecendo. E, com eles, os típicos 'stores' de crochê nas janelinhas da frente. Os terraços onde o vento abanava, com meiguice, as folhas compridas das samambaias portuguesas. Desaparecem, também, dos jardinzinhos dos chalés os pés de alecrim. Pra aromatizar o caldo verde. E, dos jardins dos barracos escuros, os pés de arruda. Pra quebrar 'olho gordo'. No velho chão crescem, agora, apartamentos de três andares. Moderniza-se o Macuco.

Até há pouco, no mato ralo das ruas, lavadeiras estendiam lençóis. Os seus e os dos fregueses. Cuidados e defendidos à força de berros. Nos varais dos quintais, calças de riscadinho e camisetas de manga secavam. Ainda guardando a forma das pernas fortes e dos peitos troncudos dos estivadores da Docas. Cujas mulheres, de birote bem enrodilhado, sacudiam, a conversar, os brincos de ouro, as suas famosas argolas de ouro português. Português de Portugal, sim, minha senhora!

À hora do almoço, o Macuco inteiro rescendia a sardinhas fritas. E a chouriços, banhudas e perfumadas linguiças de porco. Quem trabalha no duro precisa alimentar-se bem, não precisa? E tomar o seu bom trago. Ai Jesus. A boa aguardente da santa terrinha. Escondida no canto do armário cheio de naftalina. Hoje o Macuco usa uísque. E daí? Visita bem-vinda toma uísque. Das geladeiras, cubos de gelo são arrancados e ficam a tilintar nos copos grossos, diluindo o ouro velho de um bom 'scotch'.

Macuco é o bairro das escolas de samba. Da igreja de Nossa Senhora da Aparecida. Sobre os telhados, velhos ou novos, brilham antenas de televisão. Nas cozinhas, sempre cheirosas, o picadinho, de molho grosso, ferve, embalado pela música de um transistor. Acompanha o progresso geral o velho Macuco. Moderniza-se. Estandartiza-se. Entergaliza-se. Mas uma coisa continua a caracterizar o populoso bairro dos doqueiros: seus moleques usam estilingue e palavras bonitas com o mesmo ardor do tempo em que o Macuco começava a formar-se.

No mais, é um bairro de que Santos, justamente, pode orgulhar-se.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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