GENTE E COISAS DA CIDADE Um português santista
Lydia Federici
Se Portugal soubesse o ouro que havia dentro daquele seu rapaz, com certeza não o teria deixado embarcar para outra terra. Ele
que crescesse por lá. Que derramasse a inteligência de sua cabeça e a bondade de seu coração - principalmente esta, que é a coisa que mais falta faz neste mundo sofredor - sobre a terra portuguesa e sobre toda a sua gente.
Mas Portugal não podia adivinhar. Deixou-o ir embora. Outra terra recebeu o menino. Viu-o crescer, tornar-se homem. E, assim, foi essa oura terra que recolheu todo o mel que havia na alma daquele portuguesito.
O menino podia ser como milhares de outros portugueses que para cá vêm. Podia crescer, trabalhar, constituir família, tornar-se financeiramente independente, dar o seu auxílio a uma ou outra boa iniciativa. Podia respeitar esta terra, ter sempre o
seu velho e querido Portugal na lembrança. Podia ajudar um patrício, batizar um moleque pobre, ser sócio da Beneficência e pronto. Já teria bem cumprida parte de sua missão de homem neste mundo. Como português verdadeiro. Como bom cristão.
Mas esse rapaz não se satisfez com essa vida simples e comum. Porque, embora sendo simples, comum é que ele não era. Tinha mais cabeça e mais coração que o normal dos homens.
Em só chegando, logo a gentileza da terra o cativou. Tomou-se de amores por ela. Não desse amor exigente que só gosta de receber, de ter, de tomar ou de exigir. Mas daquele outro, que só se sente satisfeito e feliz quando dá o que tem para dar. Que
chega a inventar coisas boas para oferecer ao seu bem querer. Que, vendo beleza, não se cala, intimidado. Ou mesquinho, guardando-a só para si. Com egoísmo. Ou que então, reconhecendo falhas, sabe corrigi-las, conclamando outros para que o ajudem a
fazê-lo.
Amando esta terra, sobre ela esparramou trabalho humano. Trabalho cheio de amor. E, como só palavras de amor não o satisfizessem, foi além. Arregaçou as mangas e, ao trabalho de sua mente, juntou, com todo o entusiasmo do coração, o trabalho de
suas mãos generosas. As horas de seus dias e de suas noites foram um desfilar de ideias e de planos para o bem estar e a beleza de Santos e da gente santista. No esporte, no seu Vasco querido, na Santa Casa, na Câmara, em asilos, em tudo ele estava
e está. Resolvendo, ajeitando, servindo. Quem o vê, agitado, sério, moendo um charuto, mal sorrindo um sorriso breve, não sabe a alma boa, filantrópica, patriótica, cívica, que existe naquele corpo baixo e forte.
Outorgando a Gomes dos Santos Neto o título de cidadão santista, Santos nada mais fez que oficializar, pela honra do título, uma cidadania existente há anos e anos. Que o português-santista, na verdade, já adotara dentro de seu coração desde que
começou a amar esta sua terra. E a servi-la.
O amor, agora, está completo. Tão feliz um como a outra, creio.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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