GENTE E COISAS DA CIDADE Futuro de uma ideia
Lydia Federici
O Boqueirão homenageou, no domingo, a Mãe. Representada, simpaticamente, pela Mãe mais idosa do bairro. A ideia partiu
da Sociedade Amigos do Boqueirão. Donna Maria da Luz Amaral, pequenina e sorridente dentro dos seus fortes 91 anos, foi, entre cinco inscritas, a escolhida para receber o carinho de todos os filhos de seu bairro.
Compareceu, pobrezinha mas vibrante, a banda do Educandário Anália Franco, lá da Ana Costa. O Anália Franco, vejam bem, é um asilo. Asilo para órfãos ou quase órfãos. Meninos cujos pais ou mães não podem tê-los a seu lado. Pois foram esse filhos,
entregues a um asilo, os únicos que foram transmitir, a uma Mãe, a alegria - que alegria? - de seus corações sequiosos de amor.
A festa, logicamente, não teve a movimentação de um desfile da juventude, nem o aparatoso garbo de uma parada militar, muito menos o atropelo curioso dos desfiles carnavalescos. Mas, no rosto de todos que ali compareceram - e havia centenas e
centenas -, olhos úmidos e sorrisos emocionados falavam da alegria geral. Houve carinho, um mundo de calor. Desse calor bom, muito humano, que tem, milagrosamente, mais que o sol, o condão de esquentar almas, unindo-as numa só massa de bondade e
amor.
Assistindo a essa realização, pensei, com orgulho, no Boqueirão. Lembrei-me de todos os bairros de Santos. Nas velhas Mães que moram em todo este pedaço de terra. Como seria bonito, aqui, no dia das Mães, homenagear, numa festa grande e geral, as
Mães de todos os bairros santistas.
Aquela do Macuco, por exemplo. Talvez uma preta de pixaim branquinho, branquinho. E a do Mercado. Que talvez seja uma espanhola com vinte ou trinta netos bem brasileiros. A do Marapé. Aquela velhinha
que, da janela, assiste, todos os anos, o ensaio das Dengosas. A da Nova Cintra, cheirando a cana de açúcar, com os olhos cheios de horizontes. A da Alemoa. Que talvez nunca tenha visto, de perto, os jardins bonitos de nossa praia. A da Areia
Branca. A encantar-se com a fartura de água das fontes "véus de noiva" do Boqueirão. Ou com a fonte colorida do Gonzaga.
Sim. Sei que já há muitas festas em Santos. Mas uma ainda poderia ser programada. A festa de todos os bairros de Santos. Representados, com carinho e devoção, pelas suas figuras mais simpáticas, verdadeiros símbolos do mais puro dos amores.
Quanto custaria isso em dinheiro? Quase nada. Apenas o que cada um quisesse dar. Um automóvel para ir buscar, na Caneleira, a sua Mãe mais velhinha. Toda comovida por passear de carro chique. Um buquê de flores. Arrumado, com lágrimas nos olhos,
por uma dona de jardim da Ponta da Praia e do José Menino. Um bolo, como o oferecido pela senhora Proença. Só isso. Coisas oferecidas. Dadas de coração. E música, é claro. Para gritar a alegria de todos.
A semente dessa ideia já foi plantada. Lançou-a, na terra fecunda do coração santista, o bairro do Boqueirão. Se o filho de Santos deixar seu coração falar, essa sua festa de amor, em breve, falará de Santos.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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