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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 112)
Em mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca
Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em
10 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
GENTE E COISAS DA CIDADE Desabafo
Lydia Federici
Um bom método de desintoxicação mental é pôr, pra fora, o que está lá dentro, circunvagando pelo cérebro. Nada, com o
desabafo, irá melhorar. Santo não se incomoda com queixa de homem. Nem homem toma conhecimento de lamúrias de mulher. Desabafemos, porém, Começando com a queixa maior. Dirigida a quem de direito.
Estamos exatamente no dia 10 de maio. Um terço do mês já se foi. E onde está a beleza do mais lindo mês do ano? Nessa chuva que encharca a terra cinzenta? Nas nuvens pesadas que toldam o céu azul? Nesse frio que, em ondas contínuas, nos tira até o
prazer de um simples aperto de mão? Isso é maio? Maio azul, límpido e fresco?
E onde se viu, em maio, um mar de ressaca destruidora? Ressaca tem seu mês certo: abril. E agosto. Que é o mês das grandes revoluções marinhas, nesta costa do Atlântico. Mas maio? Tenha paciência. Maio é mês de mar azul, manso, embalador. Nunca
essa fúria que andou por aí. A destruir, em quatro preamares de meia hora, uma beleza que custa meses de trabalho humano para poder aparecer. A sujar, bem sujo, uma limpeza que se conserva quotidianamente, à força de braços e de máquinas.
Não, meu santo. Puxe pela memória. Consulte o calendário. E acerte o tempo. Já nos chegam bem as loucuras humanas. Se o céu também desandar, que será de nós?
É castigo? Para ver se a turma cá debaixo endireita? Não endireita, não, meu santo. Do jeito em que andamos, castigo só nos irrita mais. Não viu a história da greve? Falou grosso, ouviu grosso. Mandou braço, recebeu punho. Está todo mundo tão
desatinado, que ninguém mais tem paciência de aguentar. Até mulher está falando em pegar cabo de vassoura. Prá que? Sei lá. Não será para corrigir. Ao contrário. É prá piorar mesmo. Prá ver se se precipita, de vez, o fim da vergonheira que anda por
aqui. Com todo mundo insatisfeito, querendo mais, e brigando porque todos os outros também querem mais e mais. Onde já se viu situação dessas?
Está tudo muito ruim cá pelo burgo, meu santo. Não há canto que, dando para olhar, seja capaz de alevantar-nos o espírito. A gente se dana da manhã à noite. Lutando contra dezenove problemas. Uns importantes, vitais. Outros bem chinfrins, mas que
ajudam a pôr-nos meio loucos. Esquecidos de que recebemos educação, sim senhor.
Por que castigar-nos mais ainda? Adote outra política. Tente-nos com coisas boas. Talvez a gente se engane. Mas um sol firme, um céu azul, um mar sussurrante podem ajudar-nos a sorrir. Podem ajudar-nos a suportar, com nova coragem, uma vida que,
francamente, para o santista pelo menos, só está sabendo apresentar coisas de desanimar.
Se até o céu nos falha, em maio, como aguentar o resto do ano?
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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