GENTE E COISAS DA CIDADE Domingo de sol
Lydia Federici
A manhã de domingo, depois de uns dias de chuva, deu-lhe uma vontade louca de fazer uma coisa diferente. Pensou um pouco.
Sorriu. Viu-se na Praia Grande. O dia inteiro. Livre, sem horário. Sem ter que levar a sogra à missa, esperá-la, trazê-la de volta. Sem amigos para o aperitivo. Sem parentes para o almoço. Sem 'matinée' para os miúdos, clube para os brotos; mais
clube, à noite, para Gracinha e ele próprio. Uff!
Deu um rápido aviso à esposa, prendeu, sem explicações, a meninada em casa, passou quatro telefonemas muito jeitosos e, resolvidos todos os problemas, inclusive o da criadagem, pôs-se a assobiar para não ouvir a choramingação dos filhos que, junto
à mãe, expunham suas razões para não topar aquela ideia descabelada.
Com os ouvidos tapados, empurrou toda a família para dentro da perua. Procurou não tomar conhecimento do ar ofendido de Gracinha. Nem do beicinho amuado da primogênita. Desmanchou o topete do Júnior. Estalou uma beijoca em Tuta. Céus! Que família.
Será que só ele é que tinha, sempre, que fazer a vontade dos outros? Não senhor. Aquele domingo ia ser à sua moda. Entendessem bem isso e fizessem-lhe o favor de mostrar os lindos sorrisos que tinham. Isso. Agora sim.
Pegou a avenida da praia. Encheu o peito de ar e de beleza. E, feliz, trauteando, cantou, em frases curtas, o calor do sol, a doçura do mar, o dourado da areia, o colorido das barracas, o tapete do jardim bonito...
"E a beleza dos brotos que não vou ver", desafinou o topetudo. E aquilo despertou o bom humor de toda a perua, afugentando o amuo, o mau humor.
No José Menino, a avenida atravancada de ônibus e de gente clara, que ia e vinha, à toa, a ria, entusiasmada com a promessa do espumante mar azul, obrigou-o a tirar o pé do acelerador. Sentindo o alegre deslumbramento daquela gente faladora e
risonha, pôs a cabeça para fora e gritou:
"Bem vindos a Santos. Bom banho de mar. Divirtam-se!" Era bom morar aqui. Eram bom ter tanta beleza. E, principalmente, era muito bom poder dar aos outros isso tudo que temos aqui.
E o domingo todo foi passado na Praia Grande. Dia feliz. Alegre. Livre.
Voltaram no fim da tarde. No José Menino, mais ônibus estacionados e mais gente vermelha a pererecar pela avenida, obrigaram-no a diminuir a marcha. Pedro voltou a rir, enchendo o peito de ar. Era bom ter-se divertido, e constatar que gente de fora
também havia gozado, plenamente, o domingo de sol e de mar, com liberdade, esquecidas as obrigações rotineiras, a luta, o trabalho duro de cada dia. Era bom ver a alegr...
"Papai. Olha o jardim como está". Pedro olhou. Piscou. Seria aquele o mesmo jardim da manhã? Não se conteve. Pôs o punho para fora e gritou.
Perdoe-me se não repito o que Pedro, santista orgulhoso, gritou, com raiva, para aquela gente que, aos domingos, não nos sabe, infelizmente, visitar.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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