Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/cultura/cult003d110.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 10/24/15 17:15:37
Clique na imagem para voltar à página principal
CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 110)

Leva para a página anterior
Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 8 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Domingo de sol

Lydia Federici

A manhã de domingo, depois de uns dias de chuva, deu-lhe uma vontade louca de fazer uma coisa diferente. Pensou um pouco. Sorriu. Viu-se na Praia Grande. O dia inteiro. Livre, sem horário. Sem ter que levar a sogra à missa, esperá-la, trazê-la de volta. Sem amigos para o aperitivo. Sem parentes para o almoço. Sem 'matinée' para os miúdos, clube para os brotos; mais clube, à noite, para Gracinha e ele próprio. Uff!

Deu um rápido aviso à esposa, prendeu, sem explicações, a meninada em casa, passou quatro telefonemas muito jeitosos e, resolvidos todos os problemas, inclusive o da criadagem, pôs-se a assobiar para não ouvir a choramingação dos filhos que, junto à mãe, expunham suas razões para não topar aquela ideia descabelada.

Com os ouvidos tapados, empurrou toda a família para dentro da perua. Procurou não tomar conhecimento do ar ofendido de Gracinha. Nem do beicinho amuado da primogênita. Desmanchou o topete do Júnior. Estalou uma beijoca em Tuta. Céus! Que família. Será que só ele é que tinha, sempre, que fazer a vontade dos outros? Não senhor. Aquele domingo ia ser à sua moda. Entendessem bem isso e fizessem-lhe o favor de mostrar os lindos sorrisos que tinham. Isso. Agora sim.

Pegou a avenida da praia. Encheu o peito de ar e de beleza. E, feliz, trauteando, cantou, em frases curtas, o calor do sol, a doçura do mar, o dourado da areia, o colorido das barracas, o tapete do jardim bonito...

"E a beleza dos brotos que não vou ver", desafinou o topetudo. E aquilo despertou o bom humor de toda a perua, afugentando o amuo, o mau humor.

No José Menino, a avenida atravancada de ônibus e de gente clara, que ia e vinha, à toa, a ria, entusiasmada com a promessa do espumante mar azul, obrigou-o a tirar o pé do acelerador. Sentindo o alegre deslumbramento daquela gente faladora e risonha, pôs a cabeça para fora e gritou:

"Bem vindos a Santos. Bom banho de mar. Divirtam-se!" Era bom morar aqui. Eram bom ter tanta beleza. E, principalmente, era muito bom poder dar aos outros isso tudo que temos aqui.

E o domingo todo foi passado na Praia Grande. Dia feliz. Alegre. Livre.

Voltaram no fim da tarde. No José Menino, mais ônibus estacionados e mais gente vermelha a pererecar pela avenida, obrigaram-no a diminuir a marcha. Pedro voltou a rir, enchendo o peito de ar. Era bom ter-se divertido, e constatar que gente de fora também havia gozado, plenamente, o domingo de sol e de mar, com liberdade, esquecidas as obrigações rotineiras, a luta, o trabalho duro de cada dia. Era bom ver a alegr...

"Papai. Olha o jardim como está". Pedro olhou. Piscou. Seria aquele o mesmo jardim da manhã? Não se conteve. Pôs o punho para fora e gritou.

Perdoe-me se não repito o que Pedro, santista orgulhoso, gritou, com raiva, para aquela gente que, aos domingos, não nos sabe, infelizmente, visitar.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

Leva para a página seguinte da série