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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 109)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 6 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Aventura de três donas de casa

Lydia Federici

Juntaram-se as três donas de casa, sem comadrear. Das informações trocadas, chegaram à conclusão de que deveriam, com urgência, perder duas horas de uma tarde para, dentro do orçamento, tentarem encher, tanto quanto possível, as respectivas dispensas, antes que fosse tarde demais. Não viram o leite? Atrás do leite vinha todo o resto.

E lá se foram as três, na tarde fria, à procura de coisas boas e baratas, com o itinerário bem estudado. Uma tinha cartão do Sesi. E o Sesi foi a primeira parada. Parada mesmo. Bem demorada. Uma hora de fila, no posto da Siqueira Campos, com o vento enregelando as pernas. Só uma pôde entrar. Mas isso não foi problema. Os pedidos das três estavam encaixados na mesma lista. Vê que dona de casa é boba.

Alzira saiu com duas sacas meio cheias. "Feijão não tem. A cebola acabou na parte da manhã. Ervilha partida também não tem. O creme de leite subiu. Açúcar, só de outra marca". Arrumaram, em silêncio, as compras na mala do carro. Começara mal a aventura financeira. O mais importante das compras - feijão e cebola - falhara. Resmungaram um pouco, amaldiçoando o governo inerte, mas não desanimaram.

Foram a uma Cooperativa, perto do Mercado. Saco de batata? Já subira. Dois mil e setecentos. Alzira fez as contas: sairia a 45 cruzeiros o quilo. Era negócio, não era? Mas o japonês, amigo do marido de Alaíde, a uma pergunta, confessou, com honestidade, que aquela batata, colhida com chuva, só aguentaria uns 15 dias. Confabularam as três. Por mais pratos batatíferos que socassem na mesa, não conseguiriam, em 15 dias, dar cabo dos 60 quilos. Perder o resto? Mas que economia, então, seria aquela? Viram os ovos, o palmito e, agradecendo ao japonesinho, saíram com as mãos enfiadas nos bolsos dos agasalhos. Tudo já mais caro. Tudo subindo. Será que nada desce?

Foram para o grande armazém onde trabalhava o marido de Alaíde. A lataria, lá, seria retirada a preço de custo.

É. Mas o armazém só tinha artigos de qualidade extra. E coisa boa, mesmo a preço de custo, sai por um bocado de dinheiro. Nessa altura, desanimadas, macambúzias, derrotadas, as três nem tiveram coragem de falar. Alzira encostou o corpo e o espírito cansados a uma grade; Alaíde, com um nome meio feio, debruçou-se sobre um balcão recém-envernizado, e a outra sumiu. Nem adiantava danar-se em procurar coisas mais em conta. Tudo subira. Ou sumira.

Foi quando, de um lado qualquer, a que desaparecera começou a gritar com alegria: "Alzira! Alaíde! Venham er. Achei! Achei!" As outras duas arregalaram os olhos, cheias de esperança.

Dentro do frigorífico de carne para exportação, no meio de uma nuvem branca, alguém sapateava, feliz, porque havia encontrado algo que baixara.

"Venham ver que temperatura. Doze abaixo de zero. Aproveitem, que isto está baixo mesmo".

E foi só, juro por Deus.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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