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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 108)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 5 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Praça José Bonifácio

Lydia Federici

O monumento frio, em pedra e bronze, que guarda o calor de jovens que morreram pelo ideal de uma pátria constitucionalizada, vê, do centro da praça, uma Santos antiga e uma Santos moderna. Sente riqueza e pobreza, crença e frivolidade. Vida e morte.

Nenhuma outra das poucas praças de nossa cidade oferece aspectos mais heterogêneos e descombinados. Chega a desnortear.

Quase quadrada, grande, de centro amplo a que árvores pouco desenvolvidas dão impressão de vazio, só tem a José Bonifácio movimento intenso nos passeios das ruas que a delimitam. A babilônia do trânsito, aqui e ali podendo ir e vir, cá e lá só podendo ir, não é brincadeira para principiantes, não. Mas sua parte central, seu miolo, é pacífico. Bem sossegado. Poucos são os que a atravessam. Raros os que a atravessam. Raros os que lhe procuram os bancos esparsos. É uma praça quente, mas sem calor humano. Que não oferece intimidade e não aconchega ninguém. Por que? Sabe-se lá. É assim. E pronto.

Tem um lado bonito: o da Rua Braz Cubas. Apesar do cinzento da Catedral e do pardo da parte baixa do Fórum, a forma dessas duas construções dá-lhe um certo ar de nobreza, de reverência, de indiscutível grandeza que os outros três lados da praça, antigos, pobres e feios, não têm.

Numa esquina, olhando de banda para a Catedral, o antigo Teatro Coliseu, de ex-companhias dramáticas e líricas, cujo palco já sentiu a leveza de pés bailarinos, que fez muito santista chorar e rir, de pura delícia. Hoje, o Coliseu é cinema. E daí? Nesta outra esquina levanta-se, maciço, o prédio da Humanitária. Um dos primeiros arranha-céus que, orgulhosos, tivemos.

Mas, tirando isso - Catedral, Fórum, Coliseu e Humanitária -, a José Bonifácio é, na cercadura restante, uma pracinha de velha cidade caipira. Não há olhos, por mais amorosos, que deem jeito àquelas casas que se sucedem, a timidez de uma amparando a velhice de outra, a pobreza desta rindo, despida, da frente suja da vizinha. Feio e triste de doer!

Há uma cantina grudada às portas de uma casa funerária. Como é que pode? Mas pode. Está ali. Afinal, vida e morte sempre andam juntas. Há mais casas funerárias. E lojas de flores. E casa de discos. E um Banco, cujos segredos os vagabundos, que apanham sol nos bancos da praça, gostariam de conhecer.

Na praça José Bonifácio, se há algo de José Bonifácio, não sei em que lado se esconde. Quem pode dizer-me?

No quadrilátero ajardinado, há três coisas bonitas: uma árvore modesta, cuja floração de pompons atapeta o chão de ciclâmen; dois metros de terra livre onde os moleques jogam gude e a farta iluminação noturna que chama a atenção para o espaço central, obliterando a visão da moldura de prédios pobres e feios.

Quando toda a velha praça ficará bonita?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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