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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 107)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 4 de maio de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Primeira comunhão

Lydia Federici

Tinha todo o jeito de ser estrangeira. Ou, pelo menos, filha de estrangeira. Espinafradinha de dar gosto.

Que idade teria? Uns 5 anos bem compridos e desengonçados. Cheios de pernas e de braços de movimentos rápidos e angulosos. Só por isso parecia uma alemãzinha? Claro que não. Responsável por essa suposição era todo o conjunto: pele clara, cabelos loiros, escorridos, olhos verdes e algumas sardas pintalgando o rosado do rosto. Tudo isso é que parecia dizer no moreno geral de todas as outras crianças: "Vim de outra terra".

Entrou na igreja do Embaré, procurou alguém, enrolando as pontas do cinto entre os dedos compridos. Com um movimento impaciente, ia dar meia volta quando duas mãos a empurram, com firme gentileza, para a ponta de um banco. Olhou meio assustada para a desconhecida. Mas sentou-se, quieta, sem saber o que fazer. Continuou a procurar, pela igreja repleta de gente, a figura pequenina da avó.

A missa começou. Todos se levantam. Ela também. Todos se ajoelham. Ela também. Não entende que história é aquela de levanta, senta, ajoelha. Mas, tímida, vai acompanhando o movimento geral. Continua, disfarçadamente, a procurar a avó, até a hora em que a mesma moça que a fizera sentar-se manda-a, com um gesto, prestar atenção ao padre ou ao santo ou a qualquer coisa que está lá na frente. Obedece, sentindo um calorão subir-lhe ao rosto. Prá que fora chegar atrasada? E que culpa tinha do sapato ter-se desamarrado na porta da igreja? Por que a avó não a esperara? Custava muito?

As meninas do banco levantam-se. A que está logo ao seu lado tropeça em suas pernas. Prá onde vai ela. A moça coloca-lhe u véu sobre os cabelos loiros, pega-a pelo braço, fá-la sair do banco e coloca-a atrás de uma fila de meninas que caminham para a frente. Ela vai. Será que é para ir embora?

Não. A fila vai até o fim da igreja. Ajoelham-se todas diante de uma grade de madeira, coberta por uma toalha branca. As outras, que continuam avançando, ajoelham-se nos degraus. No chão liso. Ela também.

Com os olhos muito arregalados, vê o homem de barbas, com um copo de ouro na mão, tirar uma rodinha chata que vai pondo na boca de cada menina. Ela não sabe o que é aquilo. Mas vai fazendo o que vê as outras fazerem. Ajoelha-se junto à toalha, abre a boca, engole a rodinha que não tem gosto de nada, levanta-se, volta para o banco e ali fica até o fim da missa.

E foi assim, por puro engano, que ela fez a sua primeira comunhão!


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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