GENTE E COISAS DA CIDADE Maio azul
Lydia Federici
Começou maio. Em Santos, com chuva castigando. Nem pareceu, esse primeiro dia de maio, a festa dos Trabalhadores. Se alguém
sentiu alegria, foi alegria doméstica, alegria quase individual, trancada em casa, a espiar, pela janela, nuvens que iam e vinham, descobrindo nesgas rápidas de céu azul.
Mas esqueçamos esse começo chinfrim. Pensemos em maio como maio é. Mês de céu azul e de sol acariciante. Que doira, com suavidade, e amorna, sem queimar, a pele e a alma do santista. Mês de manhãs frescas e noites de estrelas azuis. Em que, nas
horas de sossego, à luz azulada do abajur fluorescente, esposas cansadas descansam, tricotando coisas de lã para a família. Resmungando, com carinho, contra o comprimento da manga de pulôver do marido. Inventando um distintivo para enfeitar o
suéter azul do filho. Discutindo, com a filha, a combinação ou descombinação de azuis para o comprido blusão de adolescente cheia de exigências.
Maio é mês das noivas brancas que, no próximo maio, serão mães docemente azuis. Maio é o mês das tecelagens de fazendas muito brancas e de lãs em todos os tons de azul. De lojas de vitrines azuis que dão, às freguesas assustadas, grandes notas
salgadamente azuis.
Maio é o mês de Maria. Da Mãe Maria por quem, sob diversas foras e nomes, o mundo todo presta homenagem de amor filial. Homenagem em tom azul. É o mês das mães. Das mães bem Marias, doces, corajosas e pacientes como Ela. E das mães não tão Marias.
Mas, mesmo assim, ainda e sempre mães.
Maio é o mês das filhas de Maria. De vestes brancas e faixas azuis. Branco e azul que elas, com piedade redobrada, procuram honrar com meiguice e doçura especiais. É o mês das velhinhas rezadoras, cheias de saudades azuis.
Maio é o mês em que, nas poucas flores que ainda enfeitam os poucos jardins desta terra de folhagens, borboletas e beija-flores, em voos apressados, despedem-se do calor. Em que, na flor feia mas perfumada do antúrio de folhas acetinadas, besouros
de um azul iridescente, muito galantes nas bombachas azuis das inúmeras patinhas, zunem com alegria de música azul.
Foi num dia de maio que Martins Fontes, com certeza, descobriu como "é bom ser bom". E é só em maio que a gente entende a poesia da criança loura, de 5 anos, que, encharcando na ternura de dois olhos muito azuis a figura da moça bonita, diz: "Você
é minha namorada. Você é linda. Você é um pedacinho de céu".
Sim. Maio é mês de céu azul. De manso mar azul. De pensamentos azuis. De compras azuis. De ternura muito azul. Maio é mês de doces mães, de acariciantes mãos azuis e de bebês que choram em azul. Até maus pensamentos, e roubos, e crimes, em maio,
são azuis. Ou deveriam ser. Porque maio é azul. Bem azul. Todo azul. Só azul.
Entendeu bem, meu São Pedro? Porte-se de acordo, então.
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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