GENTE E COISAS DA CIDADE Antônio, o bananeiro
Lydia Federici
É um desses que, pelas ruas de Santos, vão empurrando seus carrinhos. Um dos poucos que, com alegria, vão apregoando a
mercadoria. Não gruda em campainha. É tímido e bem educado. Ouve, às vezes, desaforo, mas não responde. Vai em frente, sem discutir. Calmo, paciente, sossegado. Grita, na rua, um sonoro "Bananeiro" e vai passando, bem devagar, olhar atento na porta
e nas janelas. Só pára quando lhe fazem um sinal. À espera, tira do bolso um grande lenço e enxuga o suor de todo o rosto, do pescoço forte, por onde a água escorre, em caneletas, nas rugas da pele tostada.
Só vende bananas. Em geral, banana nanica. Que a branca, a maçã, a São Tomé, são caras, pouco procuradas, encalhando muito, dando prejuízo. Sob o teto de madeira, que uma folha de zinco recobre, espalha as pencas verdolengas e as douradas. Contra o
marrom sem vida do carrinho remendado, todas elas ficam bonitas, apetitosas. E são boas, mesmo.
"Bananeiro". "Bananeeeiro". Até nessa simples palavra consegue pôr bem à mostra o seu simpático sotaque de português. Se lhe perguntam se a banana está boa, olha, com consciência, para as pencas robustas.
"Pois como sempre, dona. Tem madura, para comer ao almoço de hoje. Mais verdita para amanhã. Pode escolher à sua vontade, dona. Cá embaixo, há mais".
E, ao sol e à chuva de todas as manhãs, vai passando e vendendo. Com os 25 cruzeiros de cada dúzia vai vivendo. Ele, a mulher, mais um rapaz de 4 anos e a esperança de outro filho que está para chegar.
Que faz à tarde? Descansa? Qual o que. Vai buscar os cachos na estação e levá-los da Sorocabana à sua casinha do Macuco. Auxiliado, quando o peso é muito, pelos braços fortes da mulher, encarapitado o garoto num canto do carrinho, sobre um cacho de
bananas. Que é que se vai fazer? Onde deixá-lo?
Mas seu Antônio não vive só de bananas. Tem outro bico. Recolhe, no mesmo carrinho, garrafas e vidros. Que compra ou ganha de alguns fregueses generosos. Junta-os, quebra-os e carrega-os até um depósito. Com os dois cruzeiros de cada quilo aumenta,
assim, seu ganhozinho diário.
De repente, há tempos, seu Antônio sumiu. Reapareceu há dias. Mais magro, menos queimado, sem pingo de cor no rosto cansado. Até seu pregão tão característico soava mais fraco, sem a alegria, sem o vigor de antes. Que acontecera? Estivera doente.
Muito doente. Que fora? Puxando o carrinho carregado de vidro, no atravessar a pontezinha de madeira para o depósito, tropeçara e aguentara, sobre as costas, todo o peso de sua pobre mercadoria.
Três meses, três longos e penosos meses de cama, a cuspir sangue, foram o preço daquele simples tropeção. Mas já estava bem? Não. Sentia, ainda, muitas dores nos rins pisados e mal aguentava arrastar
o carrinho pelas ruas. Mas que ia fazer Tinha que trabalhar. As economias suadas tinham ido embora.
Sei que nosso bananeiro, português que é, nunca aceitaria uma esmola. Mas, fregueses de seu Antônio, não contem dúzia de 13. E paguem os 25 cruzeiros!
Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
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