GENTE E COISAS DA CIDADE Amor filial
Lydia Federici
Era uma boa mãe. Mãe de verdade. Dessas que realmente levam a sério, nas 24 horas do dia, a belo-espinhosa função
materna.
Poderia ser mãe de todo um pequeno batalhão. Todo ele, a poder de beijos e palmadas, aprenderia a andar na linha. Como andava Chiquinho, seu único filho.
Quando bebê, foi o rosto sorridente da mãe que Chiquinho se acostumou a ver sobre as grades do berço. Ou então aquele outro, mais sorridente ainda: o do pai. Nunca mãos estranhas, menos cuidadosas, de seu pequenino corpo macio cuidaram. Nem outros
rostos, em qualquer noite, ou dia, cedo ou tarde, vieram acudir-lhe o pranto.
Foi a mãe quem o ensinou a andar; quem pintou de vermelho a pele esfolada do joelho, assoprando a pequenina ferida, dizendo que um homenzinho não chora por tão pouca coisa. Foi a mãe quem acalmou, com a frescura da mão, dias seguidos, o calor da
febre do sarampo. Ela quem amparou a cabeça durante os acessos da tosse que maltratava o peito chiante e agoniado.
Foi ela quem o ensinou a não mentir. Ela que lhe batia, de leve, na mãozinha gorda, para ensinar-lhe que, quando se tem que fazer um "a", é preciso fazer um "a", e não outra coisa qualquer, embora parecida. Foi ela quem costurou suas camisas, lavou
sua roupa, cerziu-lhe as meias e chinelou-o com gosto, até ele aprender que não se desperdiça, por prazer, um pedaço de pão.
Em toda a infância de Chiquinho, a presença dos pais existiu de forma total. Ele poderia, um dia, desembestar, mas nunca por negligência dos pais. Dosaram carinho, conselhos, exemplo e sacudidas, muito boas sacudidas, essas perfeitamente
dispensáveis, segundo o entender de toda criança.
O caso é que Chiquinho chegou aos 1 anos. Um encanto de garoto. Estudioso, sorridente, carinhoso e bom. Também! Com aquele pai camaradão. E aquela mãe, verdadeira fortaleza, a melhor mãe do mundo!
Há dias, Chiquinho foi a São Paulo acompanhar a mãe ao médico. Nada de especial. Consulta rotineira. Aproveitaram a viagem para compras. Havia um par de sapatos que o rapaz namorava desde as férias, nos pés de um amigo.
Entre uma e outra coisa, o tempo passou. Na disparada. Quando deram pela coisa, escurecia. Chiquinho olhou para o relógio. Para a mãe, tão frágil e cansada a seu lado.
"Mamãe. Será que esta friagem não vai lhe fazer mal? Se fossemos de 'expressinho' não seria melhor?" - falou ansioso. E, com a mão carinhosa e forte, guiava a mãe pelas ruas movimentadas de São Paulo, amparando-a, defendendo-a.
A jovem senhora, acomodada no automóvel, pensava. Pensava no despertar do carinho de seu único filho. Tinha sido aquela a primeira demonstração, realmente espontânea, do seu menino. Sentiu-se feliz como nunca.
Chegados em casa, Chiquinho, na sala, calça os sapatos novos. Beija a mãe.
"Puxa. Se a gente não pega o 'expressinho', não dava pra ir à festa do Toninho. Ciau, mãe!"

Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal
|