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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 103)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 28 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Amor filial

Lydia Federici

Era uma boa mãe. Mãe de verdade. Dessas que realmente levam a sério, nas 24 horas do dia, a belo-espinhosa função materna.

Poderia ser mãe de todo um pequeno batalhão. Todo ele, a poder de beijos e palmadas, aprenderia a andar na linha. Como andava Chiquinho, seu único filho.

Quando bebê, foi o rosto sorridente da mãe que Chiquinho se acostumou a ver sobre as grades do berço. Ou então aquele outro, mais sorridente ainda: o do pai. Nunca mãos estranhas, menos cuidadosas, de seu pequenino corpo macio cuidaram. Nem outros rostos, em qualquer noite, ou dia, cedo ou tarde, vieram acudir-lhe o pranto.

Foi a mãe quem o ensinou a andar; quem pintou de vermelho a pele esfolada do joelho, assoprando a pequenina ferida, dizendo que um homenzinho não chora por tão pouca coisa. Foi a mãe quem acalmou, com a frescura da mão, dias seguidos, o calor da febre do sarampo. Ela quem amparou a cabeça durante os acessos da tosse que maltratava o peito chiante e agoniado.

Foi ela quem o ensinou a não mentir. Ela que lhe batia, de leve, na mãozinha gorda, para ensinar-lhe que, quando se tem que fazer um "a", é preciso fazer um "a", e não outra coisa qualquer, embora parecida. Foi ela quem costurou suas camisas, lavou sua roupa, cerziu-lhe as meias e chinelou-o com gosto, até ele aprender que não se desperdiça, por prazer, um pedaço de pão.

Em toda a infância de Chiquinho, a presença dos pais existiu de forma total. Ele poderia, um dia, desembestar, mas nunca por negligência dos pais. Dosaram carinho, conselhos, exemplo e sacudidas, muito boas sacudidas, essas perfeitamente dispensáveis, segundo o entender de toda criança.

O caso é que Chiquinho chegou aos 1 anos. Um encanto de garoto. Estudioso, sorridente, carinhoso e bom. Também! Com aquele pai camaradão. E aquela mãe, verdadeira fortaleza, a melhor mãe do mundo!

Há dias, Chiquinho foi a São Paulo acompanhar a mãe ao médico. Nada de especial. Consulta rotineira. Aproveitaram a viagem para compras. Havia um par de sapatos que o rapaz namorava desde as férias, nos pés de um amigo.

Entre uma e outra coisa, o tempo passou. Na disparada. Quando deram pela coisa, escurecia. Chiquinho olhou para o relógio. Para a mãe, tão frágil e cansada a seu lado.

"Mamãe. Será que esta friagem não vai lhe fazer mal? Se fossemos de 'expressinho' não seria melhor?" - falou ansioso. E, com a mão carinhosa e forte, guiava a mãe pelas ruas movimentadas de São Paulo, amparando-a, defendendo-a.

A jovem senhora, acomodada no automóvel, pensava. Pensava no despertar do carinho de seu único filho. Tinha sido aquela a primeira demonstração, realmente espontânea, do seu menino. Sentiu-se feliz como nunca.

Chegados em casa, Chiquinho, na sala, calça os sapatos novos. Beija a mãe.

"Puxa. Se a gente não pega o 'expressinho', não dava pra ir à festa do Toninho. Ciau, mãe!"


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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