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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 102)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 27 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

O ladrão

Lydia Federici

Acontece na vida de qualquer família. Vive-se na mesma casa até que chega o dia da mudança. E então a gente muda. Com alegria, quando se vai para uma casa nova e melhor. Chorando, quando o canto é menor e, principalmente, mais econômico.

Foi este último o caso da família Silva. Família grande, morando em casa grande, a redução dos membros e dos recursos familiares acabou por impor às três irmãs remanescentes, a mudança para uma residência menor.

As três solteironas, engolindo lágrimas, liquidaram o supérfluo, juntaram o necessário e, sem olhar para trás, valentemente, mudaram-se. Doca levou a gaiola do papagaio. Yayá acomodou no carro o Peludo, o velho, cego e surdo Peludo, e Santina, a menos sentimental, amarrou, com belas promessas, a Dita cozinheira.

A casa, num bairro que começava a acordar para o progresso, era pequena. A quinta parte da outra: só dois quartos e duas salas. Mas era uma mor. Tinha 10 metros de gramado para o sono ensolarado do Peludo, e uma vasta vizinhança deserta que garantia ausência de reclamação contra as meias horas de falatório do Louro de língua suja. Suja por culpa do irmão. A única lembrança viva do querido Ricardo.

Pacatas, inteligentes, resignadas, as 3 irmãs acomodaram-se logo à nova vida. Havia menos trabalho. Mais horas de lazer. Preenchidas cristãmente.

Mas um dia o sossego acabou. Uma notícia de jornal, repetida com insistência, começou por assustar e terminou preocupando, de vez, as 4 mulheres felizes daquela casa. Não houve comentários em família. Ao contrário. Todas leram mas nenhuma piou. Plenamente responsáveis, cada qual, entretanto, tomou, isoladamente, as providências que julgou necessárias.

Yayá renovou a assinatura da inscrição da casa. Voltou de lá com um embrulhinho que guardou sob o travesseiro. Santinha pôs trincos de segurança nas janelas e portas, e passou a usar uma correntinha com um amuleto que lhe deformava, sob o vestido, o busto outrora sem saliências. Doca aumentou a amizade com o vendeiro da esquina. Soube que ele dormia sobre o armazém, que tinha sono leve. Claro que ouviria. Imagine se não ia acudir. Fosse lá a hora que fosse. E Dita, de dia, trancava a porta da cozinha. Disse que o sol lhe incomodava "o zóio".

E uma noite aconteceu. Ouviram, todas, o barulho de porta ou janela sendo forçada. Quatro sombras apavoradas, trêmulas, descalças, de longas camisolas, reuniram-se, por coincidência, no quarto grande da frente. Levaram a mão à aboca e quatro apitinhos fizeram-se ouvir, tênues, curtos, roucos, inaudíveis a 10 metros. E continuavam a soar descompassados, curtos de fôlego.

E o ladrão? Haja pernas. Casa de loucos. Aquilo era hora pra ensaiar concerto? No escuro? Quem pode ter confiança?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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