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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 100)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 25 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Aberto ou fechado?

Lydia Federici

Antes, todos eles eram abertos. E ninguém dizia nada. Nem contra nem a favor. Servia aos passageiros no inverno e no verão. nos dias ensolarados e nas horas de temporal ou de chuva miúda. Diga-se, porém, de passagem, muito de leve, que, nesse tempo, os bondes santistas funcionavam e possuíam cortinas que funcionavam muito bem. Os passageiros de alma mais sensível ficavam, quando muito, aborrecidos com o que acontecia ao cobrador. Obrigado, coitado, nos dias de chuva, a molhar-se no estribo escorregadio. Quanto ao resto, parecia não haver anormalidade. Capaz de provocar resmungos, ou de exigir providências. Pelo menos ninguém reclamava. O santista era um povo feliz.

Um belo dia, surgiu a novidade. Apareceu um bonde fechado. A Companhia é que inventara a moda. Por questão de humanidade. Assim, o cobrador não mais apanharia chuva. Nem seria, no estribo, apanhado por um caminhão meio bêbado. Nem ele, nem os sacrificados pingentes. E havia outra questão. De ordem financeira e essa realmente de importância magna: desapareceria a evasão de níqueis. A borboleta controlaria o cobrador. Nada de receber 8 passagens e só bater - drim-drim-drim - sete. Onde já se viu?

Parece que a experiência, em benefício do conforto humano e dos cofres da Companhia, deu certo. Mais bondes fechados passaram a correr pelos trilhos. Até o cobrador, se perdera sua margem extra de lucro, acabou por aceitar a inovação: passava a trabalhar sentado. Livre de uma queda. Livre do mau e do belo tempo. Livre de um para-lama intrometido. Compensava.

Acontece, porém, que o santista pegou mania de reclamar. Talvez por ter aprendido a raciocinar. Ou porque tudo, na verdade, comporta reclamação. Ficou dura, de fato, a vida de todos. Vai daí o desabafo.

Como é que, nas tardes abafadas, nas noites calorentas, a gente pode refrescar os pulmões em viagens de vai e vem pela praia? Dentro do bonde fechado? Não. Ninguém é doido. Cozimento só depois: no inferno.

Somos caranguejos para andar de banda? Sentados nos incômodos bancos laterais? Torrando a nuca ao sol? Gastando fortuna em fixadores que não fixam cabelos que o vento de lado penteia à sua moda? E que nariz, à noitinha, depois de um dia de trabalho transpirado, suporta o apinhamento humano?

Reclama-se à beça. Principalmente gente da Ponta da Praia, zona servida pelos bondes fechados. Já não chegavam os ônibus?

O caso é que os acidentes nos fechados diminuíram sensivelmente. Ninguém é carregado dos estribos. Que valha isso contra o calor, o abafamento, o despentear e o andar de banda. De mais a mais, a maioria dos passageiros é constituída por homens. Entre ficar perigosamente dependurado no estribo, com um cotovelo masculino fincado na costela flutuante, e sentir-se seguro, de pé, dentro do bonde fechado, com suaves curvas femininas acolchoando impactos de Leste e de Oeste, não há dúvida quanto à escolha.

Por isso tudo, minha amiga, minha pobre amiga da Ponta da Praia, o remédio é aguentar ou mudar para outro bairro, servido por bonde aberto.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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