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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 98)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 22 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Páscoa

Lydia Federici

"A senhora se lembra das outras páscoas?"

"Lembro. Páscoa de quando eu era criança. É isso que você quer saber?" Acenei que sim.

"Eu nem dormia direito. Assim que via luz pela janela, pulava da cama". Fechei os olhos. Imaginava os dois pezinhos procurando os chinelos. A escada comprida, descida às pressas, a mãozinha segurando os balaustres de madeira do corrimão. A corrida desequilibrada pela casa, a camisola embaraçando os passos. Mais cinco degraus, a claridade da manhã fazendo a criança piscar e entrecerrar os olhinhos ainda sonolentos. O quintal. Cheio de canteiros. Onde teria o coelhinho deixado os ovos? E a alegria da descoberta. A grande e quase pura alegria infantil. Seria pura de forma total se não houvesse a briga com os irmãos.

"Foi essa sua melhor Páscoa?"

Ela titubeou. Não. Havia outras. Tão boas quanto essas de seu tempo de criança. A Páscoa do internato. O reboliço no dormitório. Rebuliço que Irmã Maria Lúcia logo transformava em simples agitação silenciosa. Uniforme de gala vestido em silêncio; uma colega, com um beliscão carinhoso, arrumando a fita no ombro. A fila. A grande fila que descia para a capela. Comunhão. O recebimento, depois, dos pacotes vindos de casa. Com cheiro de casa. Trazendo uma saudade que todas, com risos nervosos, procuravam disfarçar. Coçando o nariz.

Não. Essas páscoas, com tanta saudade, não foram das melhores. Houve a de namorada. Com aquele presentinho bobo recebido, às escondidas, do primeiro amor. Coisa pequenina. À toa. Guardada junto ao corpo. Acariciada de minuto em minuto. Mas com gosto de pecado.

Essa, na hora, parecia ser a maior. Mas, na verdade, já no ano seguinte, não passava de mais uma páscoa. Um domingo de troca de presentes. De votos bons. Uma páscoa comercializada. Com uma certa dose de elevação espiritual, sim. Mas, nada mais que isso. Apenas um dia festivo.

"E então? Não houve uma da qual a senhora guarde uma lembrança especial?" Eu insistia porque sabia que houvera uma. Uma Páscoa que transformara uma vida comum, de mulher comum, naquela vida extraordinária de Mulher.

Ela olhou-me com carinho. Sorriu mansamente.

"Houve. Houve uma Páscoa especial. Uma Páscoa de sofrimento. Uma Páscoa em que, estando só, compreendi que não estava só".

Sorriu e levantou-se. Sua mão pousou-me no ombro. E com um dedo sobre os lábios, saiu da sala.

É por causa desse dedo sobre os lábios que fico em silêncio. Mas posso dizer que, muita gente que hoje não está só, deve a sua tranquila alegria a uma mulher que, num domingo de Páscoa, estando só, compreendeu que não estava só.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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