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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 96)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 19 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Começo de noite

Lydia Federici

A casa abafava-a. Porque fazia calor e porque, sem saber a razão, ela estava num de seus dias de raiva.

"Podem jantar. Vou dar umas voltas por aí". Bateu a porta da frente.

E saiu. Caminhou até a praia, pela avenida larga. De alguns palacetes chegava até a rua um cheiro gostoso de bife bem temperado, e de peixe frito. Ficou mais danada. Insossa até mais não poder.

Foi sentar-se num banco do jardim, do lado da praia. O mar, dentro da noite, era um breu sem fim. Só na beira, junto à praia, havia uma ou duas franjas claras. Virou-se no banco. Ficou olhando os prédios altos, com poucas janelas e terraços iluminados.

"Não é que toda essa gente está fazendo economia de luz".

Desceu os olhos para a avenida. Aquilo estava melhor. As luzes vermelhas dos carros que passavam para o Gonzaga pareciam um ros...

"Moça. Me dá uma esmola."

Assustou-se. Olhou para o vagabundo de boca entreaberta. Malcriado no modo de pedir. Atrevido na postura.

"Não tenho nada". E como ele continuasse curvado para ela, cada vez mais, levantou-se e atravessou o jardim. O coração batia-lhe na garganta. Para acalmar-se continuou a andar pela avenida iluminada e cheia de gente. Da mesa de um bar, um desconhecido convidou-a a sentar-se. Ergueu a cabeça, com orgulho. Seguiu junto ao meio fio. Meia quadra adiante, um carro encostou. Veio o convite para uma volta. Insistente. Persuasivo. Repetido de 4 em 4 metros. Viu a porta da Igreja aberta. Atravessou a pequena praça e, com um suspiro, livrou-se de mais aquele importuno. Embarafustou pela nave, sentindo o rosto arder. De vergonha e de raiva. Que diabo de cidade é esta em que uma moça não pode sair sozinha sem que pensem que ela anda à procura de companhia?

Só então percebeu que a Igreja estava repleta de gente. Pra que seria? Altares encobertos por cortinas roxas. Quaresma. Olhou ao redor, ainda assustada. Descobriu um banco com um lugar vago. Descansaria um pouco. Para acalmar-se. Não podia aparecer em casa com cara de fúria. Alguém estendeu-lhe um papel impresso. Agradeceu. Heinrich Schütz. 1585-1672. Narração da Paixão e Morte... Lembrou-se do convite de Julieta. Pela 1ª vez em Santos, a Paixão de Shütz, pelo Coral de Câmara. No sábado. Era sábado? E agora?

Um coro enche o silêncio da igreja iluminada. As cabeças dobram-se para os folhetos impressos. Uma voz de homem, suava, agradável, bem timbrada, desce lá de cima. Outra, grave e profunda, estabelece o diálogo monótono. Não compreende aquela música. Mas há paz ali. Respeito. E uma beleza triste que lhe tranquiliza a alma insatisfeita. Sorriu. Sem raiva.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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