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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 93)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 15 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Banco de ônibus

Lydia Federici

De uma queixa feminina geral, cheguei à seguinte conclusão: banco de ônibus tem coisa. O que, ignoro. Mas que tem, isso garanto. Juro até.

Pegue um ônibus. De preferência num ponto de saída. E seja você o primeiro passageiro da fila. Galgados os degraus, dê mais um passo e fique exatamente no meio do corredor. Olhe para a frente. Imóvel. Se o passageiro seguinte cutucar-lhe a costela, mandando-o andar, não ande. Finja que machucou o pé. Ou que destroncou o joelho. Aproveite, então, o instante de confusão em que se debate a mente do seu cutucador de costela e olhe para a linha dupla de bancos.

Não sei do treino visual que você possui, meu amigo. Supondo que ele seja normal, procure ver se todos os bancos têm a mesma largura. Refiro-me aos duplos, é claro. Sabemos que esses, os que olham para a frente, sem todos das paredes laterais do ônibus. Não há um centímetro de folga. Estão portanto, desse lado, no mesmo alinhamento. Nem vale a pena perder tempo examinando esse ponto. Mas perca o tempo que quiser vendo, com olho métrico, se, na parte do corredor central, uns, por descuido do montador, negligente ou brincalhão, avançam mais que outros.

Observou bem? São todos exatamente da mesma largura? Garantido?

Ótimo. Então desatravanque a passagem e sente-se no último banco. Sei que o lugar é infame. Incômodo. Pulador. Mas é um lugar estratégico para a boa continuação de nossa experiência. Faça o sacrifício. Erga bem a cabeça para ter visão ampla de todo o interior do ônibus e observe, então, o que, pouco a pouco, vai acontecendo.

As pessoas caminham para a frente e vão sentando junto às janelas. A não ser parentes, amigos ou conhecidos, que ocupam os dois lugares de cada banco, em todos os outros fica, sistematicamente, sobrando um lugar que é ocupado, sempre com indecisão, por pessoas de calças ou de saias. Saias procuram sentar-se ao lado de saias. Só em último caso, uma moça ocupa o banco livre ao lado de um distinto senhor ou de um rapaz em manga de camisa. Topetudo.

Pronto. Os bancos estão todos lotados. E tomara que não suba mais ninguém para facilidade de sua observação. Que é que seus olhos enxergam? Por que é que aquelas duas senhoras, embora nada magras, cabem muito bem no primeiro banco? Por que os dois homens do terceiro banco sentam-se com folga? E que é que há com aquela moça magra, sentada ao lado do rapaz magro? Por que dá ela a impressão de que vai sair pela parede do ônibus? Tão espremida se encontra no canto? E aquela outra, ao lado do velhote mumificado, que olha, embevecido, a paisagem? Como pode aguentar-se assim, meio sentada no ar?

Que há de misterioso nesses bancos estofados? Não são todos exatamente da mesma largura? Por que artes, então, em certos casos, dão de encolher?

Têm ou não têm coisa os bancos de nossos ônibus?

Quem sabe a resposta? A Explicação?


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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