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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 92)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 14 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Bolinhas de vidro

Lydia Federici

Viu-as, coloridas, sobre o balcão. Estendeu a mão para sentir-lhes a lisura vítrea. E sorriu. Encabulado. Como pudera não reparar que estavam todas embrulhadas dentro de um saquinho plástico?

Pareciam ser todas iguais. Dentro de envoltórios iguais. Mas levou tempo enorme procurando as que lhe pareceram mais redondas. Coloridas e brilhantes eram todas. Redondas, perfeitas, é que não.

Dadinho ia aprender como se jogava gude. Já tinha idade suficiente para compreender que aquilo era para jogar com as mãos. E não para por na boca.

Saiu bem mais cedo do escritório. Vantagem de ser patrão e empregado único. Queria dar a primeira aula ainda naquela tarde. Apalpou as bolinhas, soltas, dentro do bolso do paletó. Sacudiu-as para ouvir-lhes o bater tão típico. E evocativo. Lembrou-se de sua infância. Os bolsos estufados. As calças escorregando com o peso das pequeninas esferas. Naquele tempo não gostava das veiadas. Não para jogar. Eram fracas. Qualquer tefada as abria pelo meio. As de vidro verde eram suas preferidas. Grandes ou pequenas, perfeitas ou com bolhas redondas de ar, aguentavam qualquer batida. Por mais forte que fosse. Raramente largavam lascas.

Lembrou-se do quintal de sua casa. Do retângulo grande de terra, nos fundos. Bem aplainado. De chão igual e duro. Lembrou-se da rega diária, nos dias quentes, para evitar que o chão afofasse, ou gretasse. Lembrou-se da colherzinha roubada na cozinha. co que fazia e refazia os quatro "boxes" em forma de "L". Será que ainda seria capaz de bater o calcanhar no chão, para aplainar uma ligeira elevação? Ia experimentar. Pena que o Jorge e o Mário Garganta tivessem sumido. Relembrariam aquelas tardes.

"Palmo, muda e limpa".

"Tefou, sim senhor. Você não viu porque não estava olhando".

"Quem disse que não? Tua bolinha passou por cima. 'Tá querendo roubar?"

Bufavam. Vermelhos de raiva. Rosto contra rosto. Olhos fuzilantes. Mas nunca saía briga. Refaziam a última jogada e as partidas continuavam. Fora um bamba no gude. A bolinha solta com a ponta dos dedos, voava com delicadeza e precisão. Ou então, prensada entre o polegar e o indicador, estourava, reta e forte como uma bala. Chegara a juntar 184. Todas ganhas.

Deixou o carro na rua. Tomou o elevador, entrou no apartamento e saiu 4 minutos depois. Rebocando o filho gorducho. Rindo os dois, com as mãos cheias de bolinhas. Lá embaixo, Eduardo procurou um canto de terra. Contornou o prédio, um frio subindo-lhe pelo peito. Tudo cimentado. Em declive. Não servia. Como não servia o canteiro de grama. Olhou para a rua. Asfaltada. O passeio? Ladrilhado. Na casa vizinha, com jardim de tostão, a área era de cerâmica. Em nenhum lado pôde descobrir um pedaço de terra. Onde fazer o "box"? Como jogar gude? Acariciou a cabeça do filho. Que o olhava com espanto. "Vamos brincar lá encima. Dá na mesma".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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