Não há sossego na D. Pedro. Um buzinar constante, nas suas poucas esquinas, põe todo mundo a correr. Os passeios estreitos são pistas de corrida. Quem para diante das vitrinas, se não estiver bem colado aos
vidros, vai levando empurrões. Milhares de empurrões. Com uma centena, apenas, de desculpas andantes.
Ontem de manhã, um pequeno pedaço daquela rua se transformou. Do alto-falante de uma casa de discos, quase na esquina da Praça Mauá, uma revoada de pássaros cantadores musicou a rua. Ficou poético aquele
canto comercial. Calmo. Sonhador, Pouco a pouco, as paredes dos prédios sumiram. Encobertas por árvores. O chão ficou cheio de folhas. O cheiro bom da mata espalhou-se pelo ar. Gorjeios e trinados se sobrepõem ao rascar dos pneus. E a rua alcançada
pelo malhar metálico e sonoro da araponga se põe a sonhar.
Homens e rapazes, apressados, olham o céu. Diminuem os passos, consultando o relógio. Param. E ficam a ouvir. Um, de camisa escura, estremunhado, procura, no alto, em que terraço se poderia ocultar a gaiola
do sabiá. Percebido o engano, sorri, encosta-se à parede, esquecido de tudo. Não vê a preta gorda, de carapinha branca, que quase despenca do ônibus. Não vê as moças que passam, apressadas, conversando muito com as mãos. Está na mata fresca e
cheirosa. Sozinho. Procurando, nas árvores engalhadas, as cigarras que saúdam o sol.
Poucos são os homens que, ouvindo o canto das aves, passam sem diminuir o passo. Há chamados de infância nos assobios aflautados, nos pios em escala ascendente, inidentificados mas mágicos. Notas límpidas de
clarim, gritos desesperados, chamados meigos e suaves, fazem homens e rapazes lembrar-se de gaiolas e alçapões. Até o coaxar das rãs lhes arranca um sorriso embevecido. Sonham com árvores e matas. Lembram-se de excursões às serras. Sentem, sob os
pés, a maciez de folhas secas. Bebem gotas de orvalho. O chão escuro e úmido é uma renda de sol. Sentem na mão, o palpitar medroso de uma pequena avezinha, quente macia. O canto dos pássaros, na rua apressada, faz os homens sonharem.
E as mulheres? Elas, as grandes sentimentais, só se enternecem, naquela esquina, com o "nunca mais" e o "para sempre" dos boleros aveludados. Nesses minutos de verdadeira magia, em plena evocação da natureza,
veem, do outro lado da rua, na vitrina da joalheria, broches, anéis, brincos e relógios de ouro. Isso sim é que as faz por os olhos em branco.