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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 90)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 12 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Avental sujo

Lydia Federici

Quantos centos de botecos, cafés, padarias e confeitarias haverá, espalhados ou amontoados, pelos cantos da cidade? Creio que nem a seção competente da Prefeitura seria capaz de dar a quantidade certa. O número correto, fornecido ontem, às 16 horas, já não correspondia à verdade às 10 horas de hoje. Mais um ou dois estabelecimentos desse gênero já terão, nesse intervalo, aberto suas portas. E viva o comércio! Em franco progresso.

Se bares e cafés nascem quotidianamente, qual a conclusão óbvia? Tão simples que até eu sei: há fregueses para tantos pastéis, aperitivos e para tantas minúsculas xícaras de café.

Há gente que vive em cafés. Limpando ou enxugando o balcão com a ponta ossuda do cotovelo. Como há gente que não entra num desses negócios. Por mais rebrilhante que esteja a nova instalação de plástico colorido. As pessoas do primeiro grupo não reparam na história. É coisa tão corriqueira e comum que não lhes chega a chamar a atenção. E as pessoas que passam diretas, enviesando, quando muito, um olhar à aparelhagem niquelada, continuam o seu caminho, água na boca, às vezes, nariz torcido, sempre, porque reparam justamente no fato.

Que é que há nos bares de Santos? Aceito, com passividade distraída pelos fregueses habituais? Repugnando, entretanto, a outros possíveis frequentadores?

Avental sujo.

Avental sujo de quem está atrás do balcão. Bonito, não é?

Indumentária de rapaz que serve café é avental, túnica ou paletó que, um dia, de acordo com a lei, foi coisa branca e limpa. Mas isso foi no dia da estreia. Que depois, ali, se descobrem mais traços, borrões riscos, pingos, manchas, que em qualquer tela de pintor modernista. Obcecado, única e exclusivamente, pelo marrom. Em todos os tons e gamas. São borrões frescos e vivos de café rançoso. Há tanto café naquele humilde pedaço de fazenda ex-limpa, em dia remoto, que, fervido em água pura, a coação resultante daria para encher um bule. De litro. Cheio de café bem forte. Exagero? Examinem o avental do garoto dos cafés da cidade. Ou daqueles do Gonzaga. Do chique Boqueirão. Do José Menino. É tudo a mesma coisa. Com ligeiras exceções.

Será que não há água em Santos? Será que o sabão deixou de cumprir sua missão? Ou será, simplesmente, que, por ignorância, desinteresse, cansaço ou comodismo, já não ligamos para a higiene? Caramba. Será que estamos ficando sujos? Ou, pelo menos, habituados à sujeira? Será? Será?

A propaganda mais sugestiva do copo de vitaminas está no próprio avental que se mexe atrás do balcão. Há mamão, tomate, banana, maçã, abacate. Não. Abacate, não. Abacate foi na semana passada, sim senhor.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

13-4-1962 - Porcarias de bares etc.

Nossa cronista Lídia usou, como assunto do seu trabalho de ontem, o "avental sujo" dos empregados dos botecos, bares, cafés, confeitarias. Ela fez uma crônica bem colorida com esse tema, pintou um quadro multicor, impressionista. Todavia, fez pintura de superfície, não de profundidade, ficou nas manchas do pano do avental, deixando de lado outras manchas, as numerosas manchas que a gente topa em tudo naqueles negócios.

A cronista, é claro, dentro do gênero do seu trabalho, focalizou um detalhe de toda a sujeira que anda por aí, nas asas daquelas especialidades, onde o povo, assim mesmo, paga tão caro o que lhe dão. Precisamos acrescentar que o empregado do avental é o mesmo que nos corta o pão, o queijo, mexe a coalhada, prepara-nos o aperitivo, ao mesmo tempo que limpa o chão, pega o lixo e lava a louça.

Por mais limpo que ele seja, não pode livrar-se de ser sujo, se lhe dão tantas tarefas a executar. Mas há muito mais, além do empregado do avental. Mesmo quando as instalações rebrilhem nos seus metais debruando mármores ou madeiras finas, as frutas para as vitaminas vão para o liquidificador conforme chegam sujas do mercado, da feira ou dos fornecedores especiais. Não sofrem uma prévia lavagem ao menos para se lhes tirar o grosso da sujeira das cascas e tudo vira vitaminas, mas estas de contaminação.

Os que abrem, de novo, uma casa do gênero e a montam até com luxo, aprenderam isso, porém não sabem como exercer a higiene ali. Quando vão varrê-la usam vassoura de piaçaba, gastaram tanto, esquecendo-se de comprar aspiradores de pó e jogam este para a xícara dos fregueses ou para os pratos, no caso de se tratar de um restaurante. Por falar em restaurante: não sabem que os garçãos usam o mesmo pano para limpar os pratos e passar nas cadeiras? Não sabem que, também, há gatos que pontificam em padarias e confeitarias? Em certos bares e confeitarias, como podem ser pasto de moscas, doces e guloseimas?

Que nos responda a Delegacia de Saúde ou qualquer outro responsável por esta falta toda de higiene primária. Responda, que nós não podemos lhe apontar outras sujeiras. Aqui coube mais que o "avental", entretanto não há espaço para maior enumeração de porcarias.

14-4-1962 - Falta de higiene e de fiscalização

Manifestaram-se vários dos nossos leitores, através de cartas e telefonemas, sobre os comentários que aqui fizemos ontem, abordando a falta de higiene verificada na maioria dos bares, cafés, confeitarias e restaurantes da cidade. Não houve opinião discordante quanto ao que escrevemos com base no "avental sujo" dos empregados de tais estabelecimentos, que já servira de assunto ao trabalho de uma das nossas cronistas.

Ao público, evidentemente, não pode deixar de causar estranheza e revolta a ocorrência de fatos, como os que divulgamos, reveladores da incrível sujeira existente naqueles locais, quase todos frequentados por numerosa freguesia. Entretanto, maior estranheza e revolta deve causar à população a indiferença das nossas autoridades, face à prática abusiva e condenável, permitida pelos que têm a responsabilidade de zelar pela saúde pública.

Que faz, afinal, a Delegacia de Saúde de Santos, não exercendo, sobre os estabelecimentos comerciais onde a sujeira impera, a necessária fiscalização? Que fazem os nossos fiscais sanitários, encarregados dessa tarefa? Não é admissível que continuem impunes os infratores, quando os atentados à higiene e à saúde do povo aí estão, à vista de todos. A imundície, nos casos apontados, chega a assumir aspectos que estão a reclamar a pronta intervenção do poder público responsável.

Dissemos ontem que o empregado de "avental sujo" é o mesmo que nos corta o pão, o queijo, mexe a coalhada, prepara-nos o aperitivo, o sanduíche, ao mesmo tempo que limpa o chão, pega o lixo e lava a louça. Podemos adiantar agora que é o mesmo a receber dinheiro, a fazer trocos, servindo a freguesia. Na mesma prática imunda incorrem os proprietários, recebendo dinheiro e servindo, ao mesmo tempo, sanduíches, pastéis e bolinhos à freguesia. Uma prática generalizada, entre nós, com a qual parecem confo0rmados os pacíficos fregueses, sujeitando-se à sujeira e pagando, sem protestos, os preços abusivos que lhes são cobrados.

Vamos, contudo, aguardar as providências reclamadas pela situação, no interesse do público. Não poderá tardar a ação enérgica das autoridades responsáveis pela higiene e pela saúde da população. Criminosa como a prática a ser combatida, é a indiferença até aqui verificada, por parte dos poderes competentes, na repressão aos abusos.


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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