Ônibus, atualmente, em santos, é pesadelo ou doce miragem. Pesadelo para os que o agarram. Miragem de quem os espera. É essa coisa que sempre passa por nós, vazio, quando estamos entre dois pontos. Ou que
nunca chega, quando, há meia hora, trocando pés, chocamos diante do poste amarelo.
É um carro grande. De estômago elástico. Cuja entrada sempre se abre para engolir mais um passageiro. Que será triturado, gostosamente, no meio de outros infelizes.
Ônibus, hoje, em Santos, é coisa de espírito folgazão. Deveríamos, mais propriamente, dizer que tem espírito de porco. Já repararam que ele não suja as calças já sujas do trabalho? Nem a saia escura da
comerciária? Mas, notaram com que prazer satânico ele engraxa o terno claro, recém saído da tinturaria? E a sacola de pelica branca da garota que vai, chique, ao cinema? Quem, no verão, segura aberta uma vidraça? E que, nas manhãs frias ou nos dias
de chuva, consegue levantar o vidro? Nem por decreto de Deus. Por que dispara, desabalado, pela avenida da praia? Impedindo-nos de apreciar o mar. A doce e morena paisagem humana. E por que se arrasta nas feias ruas do centro, oferecendo-nos, à
vista, paredes sujas, descascadas, e gente de ar triste e cansado?
Uma qualidade boa o ônibus santista tem. Ah! Essa ninguém lhe tira. É um salão ambulante de ginástica. E ginástica obrigatória. Pernas e braços exercitam-se, ali, a valer. Começa-se pela subida dos degraus.
Com grande flexão de pernas. E continua-se lá dentro, sentados ou de pé, durante todo o trajeto. Músculos de ombros, braços, antebraços, mãos e dedos fortificam-se em pouco tempo. É brincadeira aguentar as saídas? E as brecadas? Fazem-se
curvaturas, flexões, desvios e estiramentos da cabeça ao dedo mindinho. Faz mais ainda o nosso ônibus com o seu apinhamento, nas horas do 'rush', é, para as moças, um verdadeiro instituto de massagem. Corpo feminino, mesmo o que se encurrala num
canto supostamente defendido, recebe, por módicos 15 cruzeiros, uma sessão completa de massageamento.
E os motoristas de nossos ônibus, como são? Os cobradores, contra cuja má vontade vive o santista a reclamar? Pois são como nós, passageiros. Há os bons e os ruins. Os gentis e cuidadosos. Os mal humorados e
os estúpidos. Alguns, palavra de honra, mereceriam até beijos de agradecimento. Tão humanos são. Para outros poderíamos repetir o que resmungou, há dias, uma velhinha assustada:
"Coisa ruim como tu, nem no inferno acho que tem. T'esconjuro, diabo!"