Bom. Isso tudo o que o instrutor, à força de repetição, de muita paciência, conseguiu fazer entrar na cabeça sempre petulantemente erguida. Mas coisa dura, duríssima, foi obter que mãos e pés obedecessem às
ordens do cérebro, já mecanicamente esclarecido.
"Dona Cotinha. Vamos sair. Engate a primeira". Ela pensou, pensou. E engatou a marcha certa. Com um sorriso vitorioso que lhe fez brilhar o lábio superior, perlado de suor. "Agora preste atenção. Vá soltando,
bem devagar, o pedal da embreagem ao mesmo tempo que aperta o acelerador". O carro roncou, grosso, acelerado. Deu um salto e estacou. Buc!... Lá se foram duas cabeças contra o para-brisas.
"Pois é. Com o motor parado, eu sei fazer. Mas assim fico assustada. Este automóvel tem um motor tão barulhento que me amedronta. Nem consigo pensar direito. Não dá pra andar sem ligar o motor?" Enxugava, sem
jeito, as mãos num lencinho perfumado.
Mas no fim de mais 12 horas de aula, a moça já conseguia sair, rodar e parar sem muitos trancos. Chegara até - sucesso máximo - a perder a mania de apertar o breque e o acelerador ao mesmo tempo, num tricô
incompreensível de pés confusos.
O progresso foi moroso. Mas tão grande que o instrutor, no fim, conseguia, vez ou outra, achar tempo para sorrir. E, dito isto, está dito tudo.
O carrinho seguia sempre junto ao meio fio. Calmo. Obediente. Manso. U'a mãozinha morena, delicada, de unhas brilhantes, fartava-se de dar sinais. Era mão pra fora a cada parada. A cada saída. A cada virada.
Cotinha sentia-se tão familiarizada com os movimentos, a princípio tão inexecutáveis, que já tinha olhos para ver o Vadico no ponto do ônibus. E até um adeusinho carinhoso, a moça se atrevia a dar, com um suspiro comprido, para o topetudo Tutú. O
Tutú bonitão dos seus sonhos.
"Sabe o que admiro na senhora?" perguntou-lhe, uma manhã, o instrutor, na vigésima segunda aula. um ônibus intermunicipal passara na toda, junto ao carro que Cotinha, impassível, mantivera na rota. Sem o
menor desvio.
"É sua calma. Não se assusta com os ônibus que passam?"
"Claro que sim. Mas eu fecho os olhos. Deixo o negócio por conta deles".