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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - LYDIA
Lydia Federici (4 - crônica 88)

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Clique na imagem para voltar ao índice desta seçãoEm mais de três décadas de atuação diária, Lydia Federici publicou milhares de crônicas no jornal santista A Tribuna. A Hemeroteca Pública Municipal de Santos criou um Espaço Lydia Federici, onde estão expostos desde sua máquina de escrever até os troféus desportivos, bem como os organizados álbuns de recortes reunindo todos os seus textos publicados. Esta crônica foi publicada em 10 de abril de 1962 em A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição):
 
GENTE E COISAS DA CIDADE

Futura 'chauffeuse'

Lydia Federici

A cabeça? Era linda. E por dentro, nem mais dura nem mais mole do que qualquer cabeça de mulher. Mas havia uma coisa: seu cérebro, pelo menos no começo, parecia não ter ligação com braços e pernas. Aprendera logo o que era marcha reduzida. E sua razão de existir. Sabia que havia um pedal que, apertado, clic!... desligava das rodas a rotação do motor. Aprendera também que, para levar o automóvel para um ou outro lado, era preciso, logicamente, virar a direção para a esquerda ou para a direita. "Não sabe qual a direita? É esta. Da mão mais prática. Mais sabida. A direita. A que tem este anel".

Bom. Isso tudo o que o instrutor, à força de repetição, de muita paciência, conseguiu fazer entrar na cabeça sempre petulantemente erguida. Mas coisa dura, duríssima, foi obter que mãos e pés obedecessem às ordens do cérebro, já mecanicamente esclarecido.

"Dona Cotinha. Vamos sair. Engate a primeira". Ela pensou, pensou. E engatou a marcha certa. Com um sorriso vitorioso que lhe fez brilhar o lábio superior, perlado de suor. "Agora preste atenção. Vá soltando, bem devagar, o pedal da embreagem ao mesmo tempo que aperta o acelerador". O carro roncou, grosso, acelerado. Deu um salto e estacou. Buc!... Lá se foram duas cabeças contra o para-brisas.

"Pois é. Com o motor parado, eu sei fazer. Mas assim fico assustada. Este automóvel tem um motor tão barulhento que me amedronta. Nem consigo pensar direito. Não dá pra andar sem ligar o motor?" Enxugava, sem jeito, as mãos num lencinho perfumado.

Mas no fim de mais 12 horas de aula, a moça já conseguia sair, rodar e parar sem muitos trancos. Chegara até - sucesso máximo - a perder a mania de apertar o breque e o acelerador ao mesmo tempo, num tricô incompreensível de pés confusos.

O progresso foi moroso. Mas tão grande que o instrutor, no fim, conseguia, vez ou outra, achar tempo para sorrir. E, dito isto, está dito tudo.

O carrinho seguia sempre junto ao meio fio. Calmo. Obediente. Manso. U'a mãozinha morena, delicada, de unhas brilhantes, fartava-se de dar sinais. Era mão pra fora a cada parada. A cada saída. A cada virada. Cotinha sentia-se tão familiarizada com os movimentos, a princípio tão inexecutáveis, que já tinha olhos para ver o Vadico no ponto do ônibus. E até um adeusinho carinhoso, a moça se atrevia a dar, com um suspiro comprido, para o topetudo Tutú. O Tutú bonitão dos seus sonhos.

"Sabe o que admiro na senhora?" perguntou-lhe, uma manhã, o instrutor, na vigésima segunda aula. um ônibus intermunicipal passara na toda, junto ao carro que Cotinha, impassível, mantivera na rota. Sem o menor desvio.

"É sua calma. Não se assusta com os ônibus que passam?"

"Claro que sim. Mas eu fecho os olhos. Deixo o negócio por conta deles".


Imagem: reprodução do álbum de recortes de Lydia Federici, no acervo da Hemeroteca Municipal

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