Foram para o canto habitual. Onde a sua mesa, a única, sempre os esperava. Largaram os ossos, com um suspiro de satisfação, sobre as cadeiras capengas. Com gestos cansados, esvaziaram os bolsos, cada qual
espalhando, na sua metade da mesa, notas amarfanhadas e alguns níqueis barulhentos. Com a mesma solenidade de caixa do Banco do Brasil - mas sem a sua pose empertigada - foram alisando, separando, empilhando e contando o dinheiro.
O baixinho, de barba rala, foi o primeiro a terminar a tarefa. Ficou à espera do companheiro. Paciente e silencioso. Coçando a gaforinha emaranhada.
"Rendeu, hoje, hein Cocó?" Falou com voz neutra. Vazia de vez. Sem admiração, sem inveja. Zé Mico aprendera a viver. Aceitando a sua e a sorte dos outros. Pra que se envenenar com mixarias?
Cocó guardou os maços de notas. Olhou, grande e vermelhão, para o dinheiro magro do amigo. Pensou um pouco. E levantou dois dedos sujos. Não gostava de falar. Tinha voz de galinha. Daí o apelido. Com o
apelido não se incomodava. Mas danava-se quando ouvia a própria voz cacarejante.
Zé Mico gritou: "Mané. Duas louras. Bem geladas". E ficou à espera, passando a língua sobre os lábios grossos, secos. Guardou os níqueis num bolso, o maço de notas no outro. Continuou a coçar a cabeleira, os
olhos acompanhando, com prazer, os movimentos do português a abrir as garrafas suadas.
Levaram meia hora para esvaziar as garrafas. Gostavam de cerveja porque levava tempo para acabar. E enchia-lhes o estômago, sem arder. E fazia-os dormir. Felizes. Sem sonhar. Enquanto bebiam, aos goles,
estalando a língua, lambendo a espuma que lhes dava cócegas, o português, cansado, lavava meia dúzia de copos e cálices, enxugando-os com uma sacudida violenta da mão cabeluda.
Cocó deu um estalo com os dedos, espichou as pernas sob a mesa, estirou os braços, com preguiça. Sentia-se bem agora. Tirou do bolso um maço de notas, colocou-o, alisando-o e calcando-o, ao lado do copo
vazio. Levantou-se, bateu na aba torta do chapéu e ia começar a andar quando o Mané pôs a mãozorra cabulada na manga esfarrapada de seu paletó.
"A cerveja subiu. Agora é sessenta, se me faz o favoire".
Os dois mendigos se entreolharam. Zé Mico contou mais vinte para o português. Contou com pena. Na estradinha do morro, sob o céu bonito, pôs-se a choramingar. Cocó esqueceu a raiva que sentia ao ouvir sua
voz. E cacarejou: "País de ladrões. De vagabundos. Como é que pode?"